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“A loucura, portanto, se tornou a forma última, o grau final de Deus na imagem do homem”. (Michel Foucalt)
Ele venceu a morte com amor. venceu a morte com amor, dizia o hino que aprendi nas minhas idas à catedral num tempo de minha infância, um tempo muito distante. A mente infantil deste futuro palhaço ainda estava livre de pensar sobre o amor e a morte. Eu estava muito mais preocupado em descobrir o que é que o sacerdote fazia no exato momento em que minha mãe, a velha mulher, me obrigava a fechar os olhos. Um sino repicava no altar em tres momentos, e nesses tres momentos o meu pequenino coração disparava, como se eu pudesse ser sugado, num átmo, pelo próprio satanás, pois eu havia pecado em ter espiado pelas frestas do banheiro a filha da vizinha que nua tomava banho deliciosamente, de cuia. Era isso então, o sacerdote lutava no altar com o próprio cão do inferno, enquanto eu só teria que abaixar os olhos e acreditar que o filho de deus encarnava, para salvar um pobre merda como eu, a forma de um simples pão . O fumo do incenso com sua brancura exalava um cheiro que me transportava para eras muito ancestrais, que eu não conhecia, que era um oco disforme na minha cabeça, mas que me fazia bem e me convertia exatamente por isso, até mesmo que eu não quisesse ser convertido, a um povo e ao seu Deus.
Orgulhosamente a velha mulher me conduzia pelas mãos na fila que se formava para comer do pão. Os adultos me sorriam. Tanto eu gostava disso que me era fácil desejar me tornar um santo. E eu, simples e pequeno, ao redor de todas as minhas divagações infantis apenas a esperar o momento em que eu veria a cena do padre, com uma piscadela, a depositar sobre a língua dos súditos a hóstia. Meus olhos enxergavam os fios ainda de modo embaçado.
No mesmo instante esse hino, em mantra, era cantado por todos nós:
Ele ressucitou, aleluia
venceu a morte com amor
aleluia...
O teatro já me era o templo.
Todo templo, desde há muito, me é um teatro.
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