domingo, 6 de março de 2016

DÚVIDAS



Posso comprar uma bicicleta. Talvez não seja suficiente achar que bastam minhas bolonhesas carregadas de alho. Talvez eu precise comprar um ferro de passar roupa. Minha opção de usar tecidos que não amassem talvez não seja a opção dela. Poderíamos andar juntos... mas aqui é tão perigoso... melhor comprar bicicletas usadas. Eu deveria fazer um esforço de tirá-la por um instante de minha cabeça. Ah eu poderia comprar bicicletas novas, Se fôssemos andar eu poderia fazer como fazem os imbecis: usaria o carro para levá-las a um lugar seguro para pedalar.

Vou colocar a janela no texto. Eu acho que Alice merece olhar através de uma janela de vidros coloridos... é um dos meus tesouros de infância. Eu poderia até mesmo usar o velho texto, literalmente, na voz do narrador. Mas por onde andará o original? Não há arquivos dele no computador. Minha vida de escritor se divide em duas partes, numa delas eu escrevia numa Hemington. De qualquer modo vou revirar as caixas do passado. Não gosto de fazer isso, é doloroso.

Talvez eu deva desenhar a trilha com um violino, afinal, a função de aprender a tocar um pouco de violino era exatamente trilhar meus textos. Sempre precisei das mãos mágicas dos sons e timbres para escrever. Quando cansei de solfejar precisei aprender a tocar um instrumento. Escolhi o violino.

Puxa...

Acho que preciso escolher:
Uma bicicleta usada ou um violino usado. Ou uma coisa ou outra.
E ainda tem o ferro de passar roupa...
Ou eu poderia solucionar tudo apenas com uma bolonhesa.
Decido isso enquanto estiver forfulhando em minhas caixas do passado, em busca das janelas de vidro colorido.

Ops! Lembrei de uma cena do filme “O violinista que vem do mar”. O náufrago diante do violinista local. Ah no violino bem que eu gostaria de ser o náufrago, mas se eu fosse o náufrago eu não seria escritor. Ora bolas, se eu fosse marionetista eu não seria escritor... se eu fosse cenógrafo.....   cozinheiro...

Se eu fosse escritor eu não seria escritor.

Sou o violinista local.


sexta-feira, 4 de março de 2016

ALICE

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O JARDIM DE ALICE

É como um suspiro. A lembrança vem como um suspiro.
Quais imagens dos meus tempos de infância eu guardaria  como quem guarda um tesouro?
Papagaio. Papagaio vermelho, borboleta. Um papagaio borboleta vermelho, dançando no céu azul. Imponente, invencível. Quase invencível, no vento terral.
E Alice, debruçada na janela daquela casa verde claro...  um mundo... num pequeno jardim.
Alice de cabelos crespos, volumosos.
Alice voltando da escola... correndo os dedos na cerca da casa de esquina e se divertindo com os jasmins que caiam girando na calçada.

Alice...
O que ela guardaria  como se fosse um tesouro?

É como um suspiro. Isso tudo mora no templo de um suspiro.
Ontem eu pude conferir tudo o que guardo...
E tenho feito isso antes de sorrir.


Papagaio borboleta, vermelho. Um tesouro.
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Re Volta

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Nada encontrei no mundo que valesse um fechar de olhos. 

Ela estava silenciosa, reticente, mas silenciosa;

"Paco de Lucia é a cara do David Carradine", eu disse. Ela levantou a cabeça, olhou-me e torceu a boca.

Foi tudo o que me deu naquela noite? Não.

Nada além dela. Estou voltando para o que eu disse na primeira linha.. 

"David Carradine está morto", sussurrou-me.

Eu só penso que sua blusa é de popeline. Tão amassada e tão limpa... 

É impossível viver assim em tão profunda calma. É irreal.

Talvez eu seja um velho fodido dormindo em algum lugar do mundo. Isso deve ser o efeito de alguma droga...

Mas eu lembro do cheiro, eu lembro, eu conheço. Foi ontem, está na ponta dos meus dedos, inundou a minha alma,

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