quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

CARTAS PARA LUNA 3

Não foi de uma hora pra outra que decidi que a queria ao meu lado pra sempre. Fiz uma promessa e eu levo bem a sério as promessas.

Assim, quando tudo começou eu sabia que seria pra sempre. Quando vivemos o que tinhamos de viver, eu ainda sabia, seria pra sempre. Quando ela foi embora ainda era pra sempre. Na minha solidão ainda era pra sempre.

Ainda é pra sempre. Aquilo que dizem sobre o amor verdadeiro?

sim,  é verdade.

O que não é pra sempre é o modo.

O modo muda.

O modo e nada mais.

domingo, 15 de dezembro de 2019

CARTS PARA LUNA 2


Pois talvez os homens tenham essa cegueira indissolúvel para muitas coisas. Embora mantenham os olhos atentos à beleza, à carne, às formas, aos cheiros. 

Aos vinte anos o mundo bem que poderia ruir ao redor do jovem enquanto ele mantém os olhos estáticos às suas paixões. Fico com essa suspeita que diz que o que mantém o mundo humano de pé são as paixões juvenis. Sem elas a vida seria um estorvo e nem os ocasos seriam bonitos e nem as estrelas e nem a cor do mar de todas as Pajuçaras espalhadas pelo mundo.

Eu, que nasci às margens de um rio amazônico aos poucos ia perdendo meu acento nortista. tornava-me praiano, a cada dia mais pisante de areia. Da casa onde morava à beira do mar eram alguns passos. E tinha aquele cheiro que só Aracaju tem. Era o final dos anos oitenta, tantas coisas rondando o planeta. Em Seattle nascia o grunge, o muro de Berlim ruía junto com toda a cortina de ferro, morria Luiz Gonzaga.

Conheci amigos surfistas e estive ao lado, como nunca estive de  uma cultura negra da qual eu só ouvira falar de tempos em tempos, de fevereiros em fevereiros. É claro que me enchi de tolices e manias falseadas. Era o momento de construção de minha cara social, a parede levantada pedra por pedra do que eu seria diante das pessoas.

Mas na solitude eu era o mesmo que ainda sou. Não me encaixava. Eu era um estrangeiro longe de minha raiz, e minha cultura e isso me fazia bem triste. Além do mais sentia uma saudade dolorida demais da Vânia, a namoradinha que deixei, que pra mim tinha os olhos verdes e cabelos lisos e negros. Ela era a minha paixão e tudo o que eu fazia era para tê-la de novo ao meu lado. Imagine só, eu aos vinte anos fazendo planos como um homenzinho. Nem emprego eu tinha, nem uma formação (seja lá o que isso queria dizer pra mim). Mas todas as noites eu colocava a cabeça no travesseiro e  fazia planos com Vânia.

Com o passar do tempo a fisionomia da menina de olhos verdes começou a desaparecer de meu juízo. Ficava só a cor dos olhos e o sorriso travesso. Depois de um ano e meio longe de casa, voltei e  a primeira coisa que fiz foi visitar Vânia. Ah, eu era só felicidade. Os caras de uma gangue rival também não haviam esquecido de mim e me deram uma surra. Minha cidade da infância parecia não me querer mais. Quando voltei dessa viagem, com o o rosto inchado da surra, um pouco tempo depois, dei-me conta que lá no íntimo aquilo foi o início de uma transformação. Era você que começava a surgir em minha vida, porque naqueles dias o meu coração começava a aceitar aquela que lhe carregaria no ventre...

Pois talvez nem todos os homens tenham essa cegueira rudimentar. Talvez nem todos sejam essa imbecilidade grotesca. Havia muito mistério naquele início e o primeiro beijo demorou  muito mais que um ciclo lunar.

Você começava a nascer ali. Eu nem sabia disso. Só agora sei.

sábado, 14 de dezembro de 2019

CARTAS PARA LUNA 1

Você me pediu que eu escrevesse algo sobre tudo, como quem escreve um desabafo de velhice. Mas acho que você quer, na verdade, saber de você em mim. Pelo menos é o que suponho. Juro que vou tentar ser o mais fiel possível aos retratos de alma, que guardo. Não sabe o que são retratos de alma? Depois tento lhe explicar. Ou quem sabe você entenda apenas lendo estes escritos que desde agora imprimo nesta antiga katablemata.

Se você tiver paciência para fazer uma viagem por antigos escritos que estão guardados aqui, neste lugar cibernético, vai poder mergulhar no que existe de mais pueril, confuso e profundo em mim, em tudo o que sou, em tudo o que tento entender de mim mesmo.

Há alguns textos que deixei nas CARTAS PARA LUA, que talvez, há algum tempo você tenha lido. Caso tenha lido. Naqueles textos eu lhe conto o momento exato em que você nasceu em mim. Foi no dia em que pela primeira vez vi um barco solitário, encalhado às margens do Rio Poxim. Um pequeno barco de ferro, que tinha ao lado a estampo de seu próprio nome. E ele se chamava Santiago. não vou repetir aqui essas histórias, mas peço que você, se possível, retorne a elas no momento em que desejar.


ANA

Eu não amei Ana desde o início em que a vi. Não foi fatal nem repentino o que depois  construí por ela em mim. Sempre  a imagino, nestes primeiros momentos de encontro, vestida com um uniforme em tons de terra, numa espécie sóbria de camuflagem, comum a funcionários de lojas de departamentos no final dos anos oitenta. Tinha os cabelos douradíssimos, cacheados, que se acomodavam nos ombros e despencavam até perto das nádegas. O rosto era muito jovem. Era muito bonita. Naqueles tempos essa moça deveria ter só uns dois anos a mais do que a soma dos anos que você tem agora. Vinte e um anos, essa era a idade de Ana. Toda a vida pela frente, como diriam as velhas gagás que frequentam novenas.

Naqueles dias eu não era muito menos tolo do que agora sou. Era muito mais jovem, isso sim, e meu coração quase nada tinha de marcas. Eu era um amontoado de bobagens juvenis e um poço sem fundo de planos para o futuro.

Não lembro a primeira vez em que me dei conta que a amava. Mas decerto não foi na primeira vez que a vi.

Mas, dando um salto além,  nunca vou esquecer aquele vestido de noiva cor de vinho com o qual ela entrou na igreja de São José. E eu, que estava lá no altar, vestido como um garçom, de cabelos compridos e cara de moleque, como esquecer? Fazia muito calor dentro daquela roupa e me incomodava bastante o fato de que as bainhas de minhas calças alugadas estavam altas demais.

Lembro da conversa no carro do Bira, um gol, daquele modelo antigo, mas que na época era novo e que por isso fazia com que Bira se empavonasse todo. Lembro daquela conversa, ele dirigindo a me interlocutar pelo retrovisor.

Onde andará este meu amigo? Da última vez que o encontrei, estava em processo de recuperação de uma profunda decepção. Quase não o reconheci sem seus cabelos compridos. O Bira que reencontrei exibia cabelos muito curtos e brancos e pedalava uma velha bicicleta, além de carregar nas costas á guisa de aljava, um desses tapetes emborrachados de ioga. Parecia muito triste, apesar de se esforçar a demonstrar o contrário.

Naquela conversa dentro daquele carro que cheirava a novo,  Bira me indagava como era a sensação de estar casando com alguém que se ama. Eu o respondi que não tinha idéia, porque talvez não houvesse distância suficiente pra isso. Eu estava envolvido demais e apaixonado demais pra saber se o que eu estava fazendo duraria o tempo de meu juramento.

...

O AMIGO POETA

Hoje fui ao lançamento do livro de um amigo poeta e foi exatamente hoje, sentado ali na platéia, ouvindo esse meu amigo ler seus poemas, que senti meus olhos arderem. E como de meu costume, naquele exato instante me vi junto das pessoas que habitam em mim. Ana, você, Nina, mocinha, Célia, Manu...

Todas que amo estavam ali comigo, ouvindo meu amigo recitar seus poemas.

Foi então que  resolvi começar a lhe escrever, porque a cada dia que passa, sinto o tempo se acabando pra mim e também porque senti também bem fundo no coração essa dor que vez ou outra sinto... essa suspeita absurda de que o tempo corre mais do que me é justo. essa impressão de que por um capricho a vida, a minha vida, não permitirá que eu lhe veja e lhe beije a testa mais uma vez.

Vou dormir hoje cheio de palavras e inconformado. Inconformado é quase meu nome.