sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

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engraçado isso de conferirem os dias e darem um nome para essa contagem.

alguém escolheu essa arrumação dos dias e muitos outros seguiram essa determinação. bem, mas não contesto isso. não sou um contestador inveterado.

nesses dias que se passaram, os quais chamaram de 2010, aconteceram muitas coisas. poderia eu dar uma declaração mais lógica e idiota? é claro que aconteceram muitas coisas.

encontrei um abrigo em 2010. eu não estava tão mal, nem doente, nem caindo pelas tabelas. mas eu encontrei um abrigo. encontrei quem não me trouxe dúvidas. nem me deu certezas, mas não me trouxe dúvidas. além do mais, não perseguiu a minha alma, nem empurrou meu equilíbrio. dessa energia eu não quis me afastar. dessa energia quis me tornar parte. nesse abrigo, fiquei a descobrir o nome que é o nome das mais simples arquiteturas. talvez de minha boca, desconfiada de mim mesmo, nada pudesse sair que não fosse o resultado de algo que no passado me cortou alguma pele.

mas ali, guardado, fui esperando o dia de levantar a cara e seguir, como seguem os viajantes.


preciso me apequenear, eu dizia a mim mesmo. não por ser grande, mas por um dia supor que não era pequeno.

graças a deus que não acredito mais nesse deus tolo, eu dizia a mim mesmo. nem nos espíritos perdidos, nem nas almas penadas, nem em seja lá o que for que necessite dessas metafísicas tão pouco poéticas.

nem no diabo, nem nos anjos. ora o que não inventaram os homens para conseguirem dizer o que sentem!

não era esse deus que agia como um demônio atormentando a mente de quem eu amava?

não eram os anjos da bondade que tiravam o sono e enchiam de culpa alguns justos que conheci?

que pervertido é aquele que apreende algo que era da natureza e se diz o dono disso quando o demonstra aos outros. conheci muitos pervertidos assim. eu mesmo fui um destes em muitas horas. eu mesmo me senti melhor que os outros apenas por saber aprisionar as cores entre os meus garranchos.

sim, 2010 foi um amontoado bom de dias. e dentro dessa nomenclatura tola depositamos o vácuo de nossos movimentos.

2011 é ainda apenas um nome. nada vai mudar. tudo vai continuar. os bons continuarão bons e os maus se manterão sendo assim. cada qual melhorando apenas seu modo de dizer as coisas e suas maneiras de fugir da óbvia morte. talvez consigam mais conforto. mas um coisa insiste em ser a unica que está vestida em certezas: o tempo encurta para cada vivente quando ele nomeia o que passou como passado.


há quem não mudará. e o peso dessas criaturas continuará sendo o mesmo.

mas eu sei quem merece minha admiração...

e minha gratidão...

e meu amor...


se isso não basta, então nada merece.

mas é essa uma hipótese que não ocorre, pelo menos aqui, nessa casa onde moram algumas certezas e muitos projetos.


vou chamar essa casa de 2011. só pra parecer normal.


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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

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ontem havia somente, comigo, uma única fonte de água limpa. a solução para que a água não turvasse era me deixar envolver por ela lentamente, em doses homeopáticas.

foi uma homeopatia que me deixou curado. da noite pro dia as camisetas passaram a se colorir.

dividir assim o mundo em locus diferenciados por cada passo é como viver dormindo e acordando o tempo todo. agora eu acordo por aqui. ontem mesmo atravessei uma ponte altíssima e desci numa velocidade muito alta para os pedais. do meu lado esquerdo havia o mar. na volta, o pozidon que esteve distante por quase dois anos me acompanha, imenso... quando ele se volta para o meu lado direito, percebo que já estou voltando. O mar muda der lado, mas é sempre o mesmo mar. cogito por causa dessas sensações a idéia fantástica de no próximo ano atravessar o país sobre pedais.

não posso envelhecer sem uma aventura assim. uma celebração da vida que com certeza causaria muitas mudanças.

reitero o comentário que fiz a respeito da limpeza total de minha mente. minha mente está limpa. nenhuma espera, nenhuma necessidade urgente. o que me causa desconforto é a volta para a convivência entre ladrões. e digo como andam dizendo por aí: Belém é uma cidade que te deixa muito inseguro, com muito medo... que triste.

mas essa relação não é de todo ruim. há caprichos que levam à distrações. e há verdades muito tênues que podem ser a causa de minha insistência em viver de modo simples. mas o que seria viver de modo simples? essa pergunta me é corriqueira, como uma ordem que inconscientemente direciona os impulsos mais lógicos de minhas demandas.

preciso dizer que o que Belém precisa é de um mar. lamento que para isso não haveria governante capaz. os governantes desse lugar onde Belém mora mal conseguem governar o tremor das próprias pernas. Imagina só se poderiam ser capazes de um milagre!


mas tudo bem. é comum desejar o inalcansável. se houvesse mar em Belém, eu me queixaria por outras coisas. Ou quem sabe insistiria ainda mais no absurdo que é uma cidade com tantos ladrões, onde tu não podes nem ao menos pedalar sem compromisso num final de tarde qualquer.

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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

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dedico esta postagem à saudade que sinto.

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dedico esta publicação à saudade.

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dedico esta publicação à saudade.

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tenho pedalado com muita tranquilidade. ainda não há o clima de verão. o janeiro é bem mais carregado desse clima de praias e aventuras, ainda assim se pode ver pessoas chegando à cidade com um espírito ansioso por aventuras e divertimentos. saio de bicicleta em busca da ciclovia principal que me leva até a orla. o único problema é que os motoristas daqui são afoitos demasiado, e numa cidade em que a relação carro/pessoa é de quase um pra um, cria-se um desenho de tráfego onde não se beneficia o pedestre, muito menos o ciclista. As faixas de trânsito são mal posicionadas e os caras correm muito, sem precisão. é uma cidade pequena e organizada. a velocidade é algo que beira a burrice e causa mortes.

Aísha tem me acompanhado nas aventuras e isso tem causado algo bom em mim. ela é cheia de uma doçura que automaticamente tira qualquer nuvem negra da cabeça. é uma tranquilidade, uma pureza de alma e uma candura que dão essa certeza de que tudo o que fazemos, nós criaturas comuns, é quase inútil, e de que a vida é muito mais simples e descomplicada.

estou apaixonado por ela.

sinto-me saudável. fico pensando na imagem de uma cara que, depois de se rastejar na lama e por isso ter o corpo recoberto de lesmas e sanguessugas, toma um banho e se sente limpo.

pelo excesso de experiências e uma certa ansiedade pelo movimento, não consigo me aprofundar nestes escritos. o dia está lá fora. a vida está lá fora.

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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

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olhando bem dentro dos olhos dela eu vejo que viverei ainda muito mais do que penso.

algo me diz o tempo todo uma certeza

não estou sozinho onde quer que esteja.




Aísha

cresceu muito até que eu chegasse...

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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

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atravessar quase um continente?

não. as distâncias sempre se mostram bem menores que as vontades.

um abraço de pirilampo...

pra isso um continente atravessado é missão pequena.
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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

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Exnort 8

"acha que perco tempo tentando convencer os outros que"...

único ponto não consumido pelo fogo

o coração da antiga cidade dos circos era um lugar muito simples, com mecanismos muito simples, que um dia, quem sabe, serviram também à navegação. Puxando cordas de um sistema de roldanas, panos pendurados em astes longilíneas de madeira desciam ou subiam. eram tecidos grandes nos quais coisas estavam pintadas. da cidade antiga, os panos eram a memória. as pinturas revelavam os sonhos de outrora, os contos, as coisas que provocavam os risos e os aplausos... os planos resplandeciam e revigoravam a esperança de um único homem que se dedicava àquelas ruínas. e cuidava delas como se cuidasse de sua pele.

Delatória já o encontrara há muito tempo, quando estivera totalmente cega. nessa lembrança, mistura de sonho e realidade, ele era como um pai que cuida de um filho adoecido. o tempo passou e a menina apesar dos vinte e um anos ainda era a criança encontrada. no seu sonho era um encontro contente, com brincadeiras com o vento, papel de seda voadores, fios e com os sons do vento nas orelhas.

o homem ainda agora vive entre o que sobrou do lugar que sempre foi sua egrégora.

"e hoje é o dia da estréia!"

"acha que perco tempo tentando convencer os outros que"...

não, amigo. disse a menina. não perde tempo algum. a sabedoria seria uma maldição se não abençoasse o sábio. pois bem. merda! era o que diriam os outros. mas esse tempo desse teatro que se incendiou terminou. das cinzas ressurge o imortal e diante das pinturas antigas em panos de velas um homem que viu toda a cidade em chamas não será mais o que um dia foi. é um ator?
não, não mais se chamará assim quem toma tais atitudes. seria um profeta? não, tampouco um profeta poderia existir num lugar onde o poderoso Deus se tornou um mercador de atitudes fáceis e frívolas. o homem sozinho diante da platéia é apenas um de nós.

é por isso que quando as cortinas rotas se abrem os velhos senhores e senhoras aplaudem. um de nós, falando para todos nós. um de nós nos fazendo ver coisas que até então não viamos...

sua primeira frase ressou pela sala:

"Nasci palhaço...

mas... fugi do circo"...



bravo!


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EXNORT 7

Delatoria tornou-se quase cega por completo quando a cidade ardeu. exatamente, por alguns dias após o grande incêndio, a menina esteve mergulhada numa escuridão absoluta. com o tempo recuperou uma pequena parte de sua visão. via o mundo como se olhasse através de um furo numa parede. no entanto, essa partícula visual era tão poderosa, que delatoria enxergava no que via e via na pequena porção que enxergava as verdades mais profundas, que nunca, olho humano algum poderia supor que existissem.

Delatoria via por completo a imagem que o quebracabeça de cinco mil peças formaria...

numa cidade destruída o que poderia ser precioso ao ponto de servir como pingente, e ser levado ao pescoço com orgulho?

a Verdade, diria eu. O que Delatoria carregava, era uma verdade. e qual ouro mais precioso? e qual tesouro mais mortífero? quem poderia encontrá-la facilmente sem se dar ao tempo de escavar como louco?

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que maldição é a sabedoria quando não traz nenhum alento ao sábio.

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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

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no atelier há momentos de querer desistir. a movimentação física, em determinados momentos leva a uma vontade de deixar os trabalhos pelo caminho. para criaturas que moram naquilo que fazem, a fuga nem sempre é possível. caramujo! carrega teu refúgio nas costas. e aonde quer que você vá, estará sempre no lugar de onde saiu. cansaço físico portanto não é um salvo conduto para a desistência.

hoje levei um baile das cores.
levar um baile das cores é como se diz: as tintas e suas misturas nunca me obedeciam. o truque da luz era simples. refratadas, as cores se comportavam de um modo. diante da luz e da oxigenação, de outro. depois de pinceladas, escureciam. depois de compostas, se confundiam com as que deitavam ao lado. e só depois de borrar a superfície é que eu percebia, que não era por minha conta, o acerto.

ontem, não havia inspiração. a inspiração só me aparece depois de muitas horas de tentativas.

as formas, apesar de não esquálidas, se embruteciam.

e quando, por força do hábito, sou levado a titerear meu violino novo às proximades de meu trabalho com cores, percebo que as tonalidades são mesmo muito antes visuais que auditivas.


numa multidão de ocres, marrons, vermelhos aprofundados de preto, o verde me fez falta. acontece sempre uma coisa esquisita nessa relação entre tons de terra. se para acompanhá-los escolhes o vermelho, a dramaticidade dessa sequência é de uma harmonia bélica. se caso escolhes o verde, a harmonia é mais selvagem, menos humanóide. acho que foi por isso que senti falta do verde naquela composição. o mais engraçado é que para ter o verde, eu não poderia, de maneira alguma, dispensar ou colocar de lado o vermelho. a força dessa cor no verde, causaria um marrom tão obtuso que a vista não reconheceria o que enxergaria como uma mistura, e sim, como um tom.


quase trinta horas de trabalho por cinco ou seis minutos de cena.

o teatro é como um namoro. muito tempo de corte, para alguns segundo de um prazer fulgás.


e eu dizia: mesmo que seja tão pouco, desejo que o que eu faço tome para si o foco.

pois o que faço me é mesmo como eu mesmo, em cena, diante de uma cortina partida e de olhares atentos aos riscos e às formas nas quais me debrucei como um louco.



se pensa que me entende apenas tentando. nem tente.

se acha que pode entender o mundo apenas observando o mundo, nem perca tempo...



as costas doem. mas não há sofrimento. aquele que sofre para fazer o que ama não pode amar. aquele que se queixa daquilo que diz ser sua própria vida, seria melhor que não estivesse em vida.



para quem serve o que faço? devo mesmo me indagar se o que faço é útil? não seria essa uma pequena filosofia do fracasso?



talvez a arte não seja para responder

talvez nem para indagar

talvez nem para ter um nome



vou dormir hoje talvez pensando na ausência do verde. mas posso me conformar ao perceber que os olhos espectadores verão sim o verde. verão sua presença na sua ausência.


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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

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as peças que se perderam se infiltraram na terra?
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EXNORT 6

E se todas as peças forem iguais? ele pensou ensimesmado.

de que adiantaria a busca?

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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010


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quando ela me encontrou eu estava febril. por um tempo bem longo muita coisa que forma os prédios antigos da cidade velha e até mesmo forma os prédios modernos da cidade tumultuada me chamavam atenção. desde pequeno quem é que não mede a altura dos arranhecéus ou imagina com vida as estátuas de indias seminuas que povoam as praças?

se eu tivesse cem gramas de força eu daria a ela de presente

se eu tivesse uma tonelada de força sobrehumana eu daria a ela de presente


a lição de babel não é a culpa pelo enrolar das línguas humanas. a lição de babel diz que o homem é capaz de desejar tocar os céus. o homem nunca tocará os céus? claro que tocará! um dia, quando isso acontecer quero estar sob um umbral bem resistente para que eu não me importe se o mundo todo desabar.

se eu tivesse que levá-la ao meu imaginário quase morto, ela reconstruiria a cidade de seus escombros. e era uma cidade tão magníficamente destruída...

eu pediria a ela: reconstrua a minha bela Antrofazia...

reconstrua tudo como se não reconstruísse. reconstrua como se criasse. como sendo deusa em papel e cola confeccionasse um boneco para alegrar as noites de seu filho.

se eu tivesse força alguma eu mentiria a dizer que daria a ela todas as grandes forças universais que habitam em mim.

e seria poético a dizer que minhas forças são as que dela a mim se projetam

como um planeta e seu sol.
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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

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EXNORT 5

Ouvindo Fritz kreisler o homem de tapaolho ainda sente forças, depois de cinquenta anos para se meter na árdua tarefa de manter escondido numa caixa de asbesto a figura dividida num quebracabeça de cinco mil peças?

não. ele já morre. e agora ao olhar para seus esforços passados sente-se um tolo que sustenta um segredo sobre o esconderijo de algo que tampouco conhece. adoecido e sem forças, numa última tentativa, tenta remontar algumas peças. é tarde, se aqui lobos costumassem vagar, ouviria-se seus uivos ao longe, no desvario absurdo da casa... e da noite.

é tarde, aos olhos do velho homem que se fecham sem que ele tenha pelo menos vislumbrado parte pequena sequer da figura que as milhares de peças unidas revelariam.

herdeiro descuidado do espólio do avô, Exnort deixa com o tempo que pela casa se espalhe o quebracabeça de cinco mil peças...

para o quebracabeça espalhado pela casa, seria a casa que estaria em perfeita desordem, despedaçada em cinco mil compartimentos, jogada ao fundo imensurável do vazio e do acaso.

certa vez, assustou-se com um acontecimento bem simples. Delatoria apareceu de manhã com uma das pequenas peças penduradas ao pescoço, dizendo que a encontrara perto da janela. A pequena achou-a tão bela, de cores tão vibrantes que não viu problema em usá-la como pingente. Exnort sentiu-se como jamais antes se sentira. um arrependimento, um desalento descuidado, uma vontade de lamentar pelo impossível que seria reencontar o todo que foi perdido, unificar as partes celulares de um corpo muito mais extenso de algo cuja fisionomia seria impossível de descrever sem ver por inteiro, revelando através de um único olhar toda sua graça e seu milagre.

mas era já tão tarde.

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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

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o filme que assisto, por estes dias é A ORIGEM.

trata-se de viagens ininterruptas através dos sonhos. bem, como aqui não é um blog de resenhas, vão se catar quem pensa que vou falar algo sobre o filme. mas posso dizer que já o assisto por alguns dias. há em mim esse hábito de tratar dos filmes como trato dos livros. assisto-os até que nada do que digam passe mais em branco. assisto-os ao ponto de ligar cada frase, cada gesto dos personagens ao contexto geral até que nada mais resista a ser entendido.

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havia um homem de tapaolho que morava no sótão e vigiava uma caixa onde se aguardava um quebracabeças de cinco mil peças.

ele no decorrer desse tempo jamais teve a miserável ambição de remontar aquela figura em pedaços.

só foi ter tal idéia quando a morte alcançou-lhe a garganta. seu corpo estremecia enquanto suas mãos não encontravam as peças que se encaixavam para formare a grande figura que aliviaria seu arrependimento.

"deve nem estar completo". disse o homem segundos antes de morrer.

desde esse dia, as peças do quebracabeça se espalharam pela casa e nunca mais revelaram a imagem que ocultavam.

no pescoço de delatoria havia uma dessas peças. "pertencia ao meu avô", ela dizia





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contrariando o que agora, neste tempo em que vivemos, é natural, escrevo sem consultar o oráculo google. reúno livros ao meu redor, atravanco-me entre muitos fios que ligam equipamentos a outros equipamentos. há um vento resultante do ventilador que me sopra ininterruptamente e o bondoso Bodelé se deita aos pés da cadeira onde estou sentado. esse é o ambiente onde inicio esta tentativa de escrita de hoje, assim, sem saber para onde ir, fico escrevendo como se escrever fosse tão fácil quanto respirar. escrevendo como toca um Maxim Vangerov. escrevendo como lutava Yp Man. escrevendo como se escrever fosse simples como viver.

tenho ao meu lado direito um livro no prêmio Nobel J.M.G. Le Clézio, a biografia de duas pessoas: Dieguito Rivera, o terror das mulheres e Frieda Kahlo, a bela feia mulher de bigode e tendêcias autodestrutivas. é um livro virgem, que ainda não desfolhei. comprei-o na Fox por quarenta. na sub orelha há um trecho que nomeia os dois de "um casal indestrutível" e tal. mas como já disse, ainda nada li dos escritos de Le Clézio e creio que não será este o mote desta publicação. creio ainda que jamais lerei tal livro e nem sei por qual motivo o trouxe pra casa.

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o que ouço? Romanza 1 para violino e orquestra em G maior. é uma boa fuga dos vizinhos que ouvem em alta intensidade: "eu acho que me apaixonei. amor bandido amor bandido!"

mas falar mal das músicas de meus vizinhos elegendo um herói musical alemão contemporâneo ao genial Goethe não seria um motivo para esta publicação. seria sim pedante demais, tanto quanto o próprio Friedrich.

do lugar onde escrevo posso ver um pedaço do céu através da janela. é tranquilo, isolado e agora inalcansável. além de mim, só há duas criaturas que podem circular por aqui, e uma delas é o incansável companheiro Bodelé. demorei para restabelecer a ordem no lugar depois que a casa foi invadida por ladrões. mas agora aqui, este lugar parece-me estar com minha fisionomia, minhas idiossincrasias, minhas manias e hábitos em cada canto e em cada parede, de novo. não sei o quanto isso é bom. não sei o quanto é bom nos tornarmos um indivíduo isolado e cheio de pequenas peças que nos formam.

comprei alguns dinossauros de plástico e os coloquei no parapeito. contra eles há soldados também de plástico que os combatem ferozmente numa luta que nunca cessa pois tais coisas, tais formas diminutas foram pensadas para representar sem cerrar uma ferocidade estática e gratuita.

são dezoito horas.
nenhuma idéia passa por minha cabeça, e tudo que escrevo é vazio...


não vazio de quem na véspera passou por fatos inesquecíveis

é um vazio mesmo de tédio.

não há um grande desafio para minha mente...


devo esperar que um desejo repentino surja em mim e me faça querer realizar uma coisinha impossível. hoje no atelier fazemos uma estrutura de um vaso que se parece a um gineceu (rs).

nada muito desafiador
nada que me deixe indignado com minhas míseras incapacidades.

nada que movimente minha arrogância e a faça brilhar.

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