terça-feira, 3 de agosto de 2021

omundo

há o mundo lá fora quando eu estou lá fora.

Sem mim, sem mundo. E cá estão ao meu redor todos mergulhados noutras línguas e cá estou sem mundo, porque aqui estou sem mim.


Devo ter deixado uma grande parte minha naquele largo, sentado em escadas de lioz. Naqueles dias em que as melodias brotavam sem que eu as quisesse colher ou sequer lhes dizer minhas. Não há apego a canções em um coração tranquilo. Só na saudade, na dor e no irremediável as canções são tão necessárias. Na felicidade os ouvidos ouvem o mundo, nada é colhido, o jardim é intocado.

há um mundo em mim quando estou em mim.


comigo, habita o mundo.


sábado, 17 de julho de 2021

O BOSQUE DE OUTRORA

 Hoje voltei ao bosque, aquele de outrora. Os lugares por onde passamos com nossas felicidades repentinas, tornam-se  um refúgio nos dias tristes.


Fiquei quieto, ouvindo. Do meio daqueles sonidos, brotávamos. Eu imaginando meu coração seguro. Eu no meio de minha grata imaginação, imaginava meu coração seguro.


Quando foi que morri? Esse outro daqueles dias, que bailava vivo nesses sonhos juvenis.


Guardo a imagem de árvores gêmeas, que juntas, protegidas no ermo da floresta, com seus caules milenares se abraçam e se abraçarão pra sempre.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

CARTAS PARA LUNA 4

 Preciso lhe contar uma história.

Pra alcançar o ambiente imaginário fui num streaming e escolhi utopia da Bjork, para ouvir enquanto escrevo. Mas acerca do tempo que vou tentar lhe descrever nem existia ainda Bjork do jeito que a entendo hoje.

Eu era um outro cara, numa aspecto de perdição em mim muito mais inexplicável, com muito mais espaços vazios e perguntas por responder, muito mais do que tenho hoje em mim, em espaços vazios espalhados como medusas luminescentes num oceano escuro.

Eu era um oceano ainda mais  escuro, no qual,  mergulhado, eu nem podia ter uma ideia dimensional do exato lugar em que eu me encontrava. Eu podia simplificar o veredicto e dizer simplesmente que eu estava perdido. Mas não é bem assim. Quando somos jovens somos afinal muito mais ignorantes do que perdidos. Estar perdido é consequência de nossa profunda e insensata ignorância.


Já contei pra você a história de minha relação com um barco velho que ficava encalhado na praça 13 de julho? Eu o batizara de... como era mesmo o nome? Olha só, esqueci. Ah sim! Seu nome era Santiago. Não vou contar de novo essa história. Apenas a citei pra ilustrar como eu amava a avenida 13 de julho, ladeada pelo Rio Poxim, com aquele mangue longilíneo, pontuado por recantos de margens tão simpáticos e pueris.  Eu gostava de ficar nesses lugares, conversando com pescadores, homens e mulheres simples, que deixavam por ali suas belas canoas de pesca encalhados. Na maioria dessas oportunidades eu me encontrava sozinho e, tem uma coisa que eu gostava muito em Aracaju: naquele tempo essa cidade sabia como deixar uma pessoa em paz. Eu me sentava ali naquelas beiradas, num calor ressecante dos primeiros meses do verão e ficava escrevendo poemas, desenhando... ou apenas pensando bobagens.


Mas isso não era uma coisa extremamente santificada. Eu, como já disse, era matuto e cheio de vaidade. E uma das faces de minha vaidade se mostrava como pena de mim mesmo.  Era como se eu tivesse idéia absoluta do meu tamanho e esse tamanho era coisa que diminuía. E diminuir-me, naquele tempo era demais pra um garoto de 19 anos.


Vivi muitas experiências em Aracaju, todas que você possa imaginar, ou que pelo menos você possa supor que um jovem do final do século 20 poderia  e deveria viver. Mas embora todas essas aventuras, o meu lugar predileto daquela cidade eram essas margens ermas, tranquilas e escondidas, onde eu me ouvia e percebia que por dentro eu me desfazia.


Havia uma vazio.

E havia um temporal. Um temporal de vazio.

Era assim que eu me sentia.