sábado, 31 de dezembro de 2016

FIOS VERMELHOS

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Nunca a sorte outrora de um olhar sincero, mas toda a benção agora por um olhar de amor profundo, que me  alcançou enquanto eu dormia. Olhar que ainda me vela e protege tanto perto e mesmo ao longe.



Julguei que a espera fosse o mínimo de todos os sacrifícios para  sentir que um ser incrível me tocaria, quando, ao que me parecia, eu estivesse pronto a ser tocado. Mas passaram essas cenas e o tempo e eu me vi ferido, ao chão, quando o amor em forma humana me colocou no colo e me apaziguou. Eu que queria desistir de tudo, bebendo da entrega às sombras. "Não", eu sussurrava."Não é possível que não tenha sido o que foi". Mas a verdade estava ao meu lado e dizia com voz embargada: "eu sinto muito".



Tantos amores suspiraram neste ano que se vai... Tantos amigos... 



Mas quem me guarda ainda não se foi, nem se abateu a seguir me abandonando, carregando consigo a lembrança de ter me deixado à margem. Não, atravessou madrugadas pra nunca me abandonar. nunca me deixou à margem.



A grande porta está selada, eu pensei. As mil outras poderiam me revelar aldravas mansas...



Por vezes se é jovem demasiado  e todo o plano desabrocha como flor tão linda sem ninguém a lhe notar. E se a flor se esconde, como o jardim  terá dela o pólen?



Se fui ferido eu sei, aos poucos o ferimento vai se fechando. Mesmo que arda vez em quando nos movimentos bruscos, vai fechando, deixando em paz a carne.



Fios vermelhos... vindos do coração, é como imagino títeres feridos. É mesmo como o sangue vocacional dos mestres titereteiros, descendo em linha reta, buscando imitar a vida que até nos mestres vacila. Isso não é desacreditar na humanidade... é dar um sinal de desespero, quando lembrares dia após dia que a lâmina dormia na cintura do teu salvador, e dela sabias. E teu salvador te feriu? Impossível, dirás cerrando os olhos. A salvação sempre virá do amor verdadeiro. O que veio dali não foi salvação.




Hoje muitos choram entre aplausos. Mas a beleza não é mero deleite. E mesmo na queda, a verdade ultrapassa o chão. Ultrapassa o chão.... e o movimento dos títeres, pendurados por fios vermelhos, provém de toda esperança, que  mantiveste  no coração.




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domingo, 27 de novembro de 2016

DE VEZ EM QUANDO CORTO-ME NA CARNE

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Fico a olhar pros teus pés e esqueço-me que um dia a lâmina escapou-me... e me feriu. Toco nos seus pés...

Posso beijá-los? Posso só ficar olhando pra eles? Posso sem anomalia alguma ficar perdido em pensamentos olhando para eles?

Por onde  andaste, menina? Suas andanças são tão imaginárias, que imaginá-las é como sonhar dentro de um sonho, como subir numa escada de papelão.

Não eras nada além de uma beleza que habitava o interior de um outro corpo. Dediquei minha vida  a te tirar de lá. E agora dizes com esse olhar doce que não sou muito. mas é justo... não me vistes te esculpindo antes que teus fios te achassem, e essa minha ação veio de um dom e dons não sou responsabilidade do domado.

Ah menina, não posso te mostrar as cicatrizes das lâminas que me penetraram na palma da mão esquerda enquanto eu te libertava.

E agora que estás aí, ficam as maravalhas...  e tudo o que sei de ti é o que em ti crio e manipulo.

Sinto um amor estranho. Sabe-se lá o que sinto.

Sinto me arderem os olhos

É por tua causa que transformo minha carne na carne de cedros...


Estou soterrado por tudo o que criei de ti. meu mar e minha ilha. Minha vontade de ir embora.

Minha pequena Marília, que nasceu com amor nos olhos.
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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O AMOR CRIADOR

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surge quando o universo, como que com cuidado aproxima o que nunca poderia ter estado separado.

Está oculto no olhar do desatento, na hora exata em que enxerga o voo da borboleta ou o lento desabrochar de uma camélia que só acontece para o pouso de uma única abelha.

É como estar quieto e, num dia de pouco vento, ter a honra de ser o corpo no qual pousa delicada a flor da samaúma.
É tão raro, que sonhá-lo é quase o mesmo que perdê-lo.
É no sonho que se forja o seu tamanho e sua presença.
É enquanto desperto, que se entende sua ausência.
A alma sente quando ele se aproxima
E todas as outras almas de tudo, por um instante, recomeçam e retornam ao dia em que nada buscavam...
e tudo se enche de paz e se recria.
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A alma sente quando vai embora
e é assim que a paz se enche de tudo, para ter paz.
e tudo se cria.
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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A Golondrina 3

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Eu diria que estou além de um corpo falho, de um temperamento incompleto e de uma forma fora de acordo.

Eu diria que bastaria a presença, ou a suspeita. Diria que o toque no corpo seria apenas uma consequência de estarmos em algum lugar ao mesmo tempo. Já ouvi casos em que almas irmãs se encontraram mesmo em tempos diferentes. Mas no caso, tornaram-se necessárias as imagens em sonho ou alguma fotografia esquecida numa parede ou num canto de um alpendre.

Talvez tenha mesmo sido por sua decisão somente que eu estivesse ali, diante dela, sentado num sofá. na encruzilhada da casa que um dia foi de um pintor de sedas. Por ideia minha, estaríamos diante do rio, mesmo com a forte ventania que se fazia vindo a nordeste.

Uma casa colorida me surgiu e depois de uma procura breve e umas quantas caminhadas inúteis, alcancei o interruptor da campainha. E tudo isso foi antes de estar neste sofá, diante dela, com o coração docemente alegre e suspeitosamente duvidoso.

Há tempos que eu não tinha tanta certeza, de que de algum modo, alguém no mundo sentia igual a mim, uma estranha melancolia por supor que o universo era tão belo a ponto de nos caber inteiro na imensidão de uma espera.

"É o paraíso", eu disse naquele outro dia. "Deve ser isso o que tantos chamam de paraíso. encontrar uma paz assim... um olhar que te cabe..."

"Quer chá?" indagou-me.

Mas lembro que o chá foi depois do beijo. É claro que estou confuso. Eu beijara o improvável... Ou o chá foi antes do beijo?

A total improbabilidade estava ao toque de minha boca. Mas por algum motivo maior não havia temor de tudo ser tolice. Deveria ter tido um temor, mas a ânsia não se importava.

Pensei que um chá seria tudo o que um homem sensato poderia desejar. homem sensato? Agora sei que a sensatez precisa de olhos atentos e de corações impuros e doloridos, para surgir como o monstro do lago.

O chá não veio, agora lembrei.  Foi o beijo antes de tudo... Pois tudo o que importa cresceu depois daquilo.
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domingo, 2 de outubro de 2016

A Golondrina - 2

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É claro que só poderia me surgir quando as flores dos ipês desabrochassem durante a primavera.

Usava sapatilhas, que em muito se parecem com as sapatilhas de Li, exceto pela falta de flores bordadas em pronto cruz...

Tem um olhar profundo e uma presença corporal sensível e silenciosa.


É uma força da natureza, das mais sutis e das mais belas de presenciar.

"É você. "

Sentenciei assim que o mundo me permitiu.

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A GOLONDRINA - 1

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Não seria justo que nesta janela eu só escreva a respeito de sonhos e prantos. Ou mesmo a respeito de tantas profecias, suposições esperançosas... e a respeito da espera silenciosa pelos seus cumprimentos.


Não, não seria mesmo justo.


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Era uma manhã ensolarada, quando ela apareceu. Linda, inexplicavelmente linda.


E assim que a vi eu soube: era ela. Definitivamente era ela...

Completa, inteira...


Estava bem diante de mim e olhava bem fundo  nos meus olhos.


Os mesmo olhos...

Os mesmos olhos.




Desde hoje escrevo os últimos capítulos dessa busca de anos.

E tudo começa quando ela pousou ao meu redor.

e de quando subitamente fui  tomado por seu amor.

"A casa da espera não mais me abriga, eu pensei". "Eis que me atiro por uma de suas janelas, completamente sem medo".

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domingo, 6 de março de 2016

DÚVIDAS



Posso comprar uma bicicleta. Talvez não seja suficiente achar que bastam minhas bolonhesas carregadas de alho. Talvez eu precise comprar um ferro de passar roupa. Minha opção de usar tecidos que não amassem talvez não seja a opção dela. Poderíamos andar juntos... mas aqui é tão perigoso... melhor comprar bicicletas usadas. Eu deveria fazer um esforço de tirá-la por um instante de minha cabeça. Ah eu poderia comprar bicicletas novas, Se fôssemos andar eu poderia fazer como fazem os imbecis: usaria o carro para levá-las a um lugar seguro para pedalar.

Vou colocar a janela no texto. Eu acho que Alice merece olhar através de uma janela de vidros coloridos... é um dos meus tesouros de infância. Eu poderia até mesmo usar o velho texto, literalmente, na voz do narrador. Mas por onde andará o original? Não há arquivos dele no computador. Minha vida de escritor se divide em duas partes, numa delas eu escrevia numa Hemington. De qualquer modo vou revirar as caixas do passado. Não gosto de fazer isso, é doloroso.

Talvez eu deva desenhar a trilha com um violino, afinal, a função de aprender a tocar um pouco de violino era exatamente trilhar meus textos. Sempre precisei das mãos mágicas dos sons e timbres para escrever. Quando cansei de solfejar precisei aprender a tocar um instrumento. Escolhi o violino.

Puxa...

Acho que preciso escolher:
Uma bicicleta usada ou um violino usado. Ou uma coisa ou outra.
E ainda tem o ferro de passar roupa...
Ou eu poderia solucionar tudo apenas com uma bolonhesa.
Decido isso enquanto estiver forfulhando em minhas caixas do passado, em busca das janelas de vidro colorido.

Ops! Lembrei de uma cena do filme “O violinista que vem do mar”. O náufrago diante do violinista local. Ah no violino bem que eu gostaria de ser o náufrago, mas se eu fosse o náufrago eu não seria escritor. Ora bolas, se eu fosse marionetista eu não seria escritor... se eu fosse cenógrafo.....   cozinheiro...

Se eu fosse escritor eu não seria escritor.

Sou o violinista local.


sexta-feira, 4 de março de 2016

ALICE

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O JARDIM DE ALICE

É como um suspiro. A lembrança vem como um suspiro.
Quais imagens dos meus tempos de infância eu guardaria  como quem guarda um tesouro?
Papagaio. Papagaio vermelho, borboleta. Um papagaio borboleta vermelho, dançando no céu azul. Imponente, invencível. Quase invencível, no vento terral.
E Alice, debruçada na janela daquela casa verde claro...  um mundo... num pequeno jardim.
Alice de cabelos crespos, volumosos.
Alice voltando da escola... correndo os dedos na cerca da casa de esquina e se divertindo com os jasmins que caiam girando na calçada.

Alice...
O que ela guardaria  como se fosse um tesouro?

É como um suspiro. Isso tudo mora no templo de um suspiro.
Ontem eu pude conferir tudo o que guardo...
E tenho feito isso antes de sorrir.


Papagaio borboleta, vermelho. Um tesouro.
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Re Volta

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Nada encontrei no mundo que valesse um fechar de olhos. 

Ela estava silenciosa, reticente, mas silenciosa;

"Paco de Lucia é a cara do David Carradine", eu disse. Ela levantou a cabeça, olhou-me e torceu a boca.

Foi tudo o que me deu naquela noite? Não.

Nada além dela. Estou voltando para o que eu disse na primeira linha.. 

"David Carradine está morto", sussurrou-me.

Eu só penso que sua blusa é de popeline. Tão amassada e tão limpa... 

É impossível viver assim em tão profunda calma. É irreal.

Talvez eu seja um velho fodido dormindo em algum lugar do mundo. Isso deve ser o efeito de alguma droga...

Mas eu lembro do cheiro, eu lembro, eu conheço. Foi ontem, está na ponta dos meus dedos, inundou a minha alma,

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