Não sei o que levou você a acertar dessa vez. Foi por sua
culpa que ela se aproximou de mim. E por essa culpa devo agradecer.
Imagine que depois de uma longa batalha, depois do muito
sangue ao chão e morte colorindo os campos, dois guerreiros feridos se
encontram e percebem que precisam juntos fazer o caminho de volta pra casa.
Ambos feridos, ambos apoiando o corpo cambaleante e febril do outro, ambos
tendo que cuidar das feridas de seu companheiro. Já na metade do longo caminho,
os dois sobreviventes percebem que devem um ao outro o dom da vida e o milagre valioso da sobrevivência.
A caixa azul comporta nossos sonhos. E nossos sonhos voam da
caixa azul para o mundo.
Neste exato momento, Nora respira dentro da caixa azul. Eu
estou aqui fora como quem prende a respiração. O ar daqui é contaminado. O ar
de lá é puro, exala de nossos corpos. Exala de nossas criações e suspeitas.
A dois passos da caixa azul, no teatro velho, tudo o que
criamos na caixa azul ganha o tempo e a ação. E essa mágica eu não divido com
mais ninguém que não seja Nora.
Nora já teve outros nomes. Mas nunca deixou de ser quem era.
Quando ela olhou dentro de meus olhos depois que a convidei a entrar na caixa
azul comigo, vi lá dentro a paz da qual sempre fui carente. Ela não me fez
promessas e ainda assim se entregou. Todas suas solenes palavras de amor nunca
foram farsa e momento. E todas suas solenes palavras de amor sempre
tiveram o dom da sobriedade sem cismas.
Com Nora, surgiu em mim o que nos leva a querer doar parte do
que somos a quem não tem quase nada de si mesmo. E toda vez que nos finais de
tarde sento-me na cadeira de balanço e me deixo fruir o tecido que tecemos...
percebo suas marcas no azul da caixa azul.
-O que é ela pra você? – Certa vez a menina indagou.
-O que eu não sou sem ela... – respondi
-E que você não é sem ela? – insistiu minha menina.
-Nem um terço disso. - Apontei para as grandes paredes azuis. -E isso nem é tudo. Isso é apenas o que
podemos ver. Se você pudesse entender tudo o que ela é em mim, veria que sem
ela tudo seria ainda a mesma velha decepção. Pessoas que abandonei, que me
abandonaram... promessas que não cumpri, mentiras que me disseram...
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