quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

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cenograficamente. ou melhor. para uma boa criação cenográfica, o mar imenso, deserto e quase intrafegável, seria um ambiente ideal. pode-se imaginar que o palco seja um mar assim. a diferença entre o mar representado pelo palco e o mar de maricéu está numa questão de posicionamento. no mar de maricéu, a nau com suas velas está envolvida pelo mar. no palco, as velas, as manobras e as cordas do veleiro adaptado à cenotecnia, está envolvendo o mar.

pouco a menina sabia se utilizar das cordas e das roldanas. entretanto, com o passar dos dias, ela começou a intuir sobre os posicionamentos dos panos. nenhum nome ela guardara como um conceito. então os nomes novos para coisas já existentes começaram a pulular sua mente.

ao movimento de puxar as cordas para suspender as velas ela deu o nome de transfigurar. a transfiguração não seria a única manobra responsável pelo singrar, mas era o mais imprescindível de todos os movimentos, pois trnsfigurar representava dar vento às velas e fazer com que a nau cumprisse o seu destino.

transfigurar, mudar de figura, exercer numa fisionomia antiga, uma outra com um outro traço.

era só um primeiro momento...
havia muita coisa ainda a descobrir.

nos dias de estaleiro maricéu conheceu toda a strutura da velha nau e todo o processo de montagem das colunas internas. ficou fascinada pela desenvoltura da nomenclatura das peças. guardou alguns nomes, mas seu interesse maior era conhecer as formas e saber suas funções.

um dia esse conhecimento seria necessário.

ela sabia disso.

as noites e os dias passavam.

o mar até então não se mostrara tempestuoso.

maricéu sentia um certo temor ao avistar nuvens cinzas. mas sabia que cedo ou tarde sua coragem teria que encontrar a razão do medo. a tempestade viria. maricéu teria que estar preparada.
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nomenclatura

os russos souberam, no momento necessário, se utilizar bem disso.

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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

maricéu

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sem efusão poética? mas que graça teria a vida sem um pouco de enigmas.

sinto-me tentado a iniciar a contação de uma estória. o personagem central dela é uma mulher. claro. mulheres são criaturas que cosmicamente vieram para nos ensinar coisas, coisas trazidas dos confins da criação humana. seu nome é maricéu. surgiu-me desde uma fala, uma resposta, num dia em que o sol já não estava mais no lugar no qual nem sempre vemos.

há uma característica em maricéu. ela não sabe nadar. há outra coisa que nela me é muito importante: depois de dias tristes, resolveu adquirir um veleiro, desses que de tão velhos, são abandonados sob a lama do rio. maricéu decidiu velejar. depois de alguns dias num estaleiro o veleiro já estava pronto. então ela, com poucas coisas no bornal, tornou-se parte dele.

tudo no gigante era impressionante para a menina. as atracações, os encordamentos, os gornes, as roldanas, o timão. mas o que mais maricéu admirava era o poder das velas mesmo não içadas, presas ainda às vergas. sentia que eram asas enormes em potência divina que a poderiam levar para qualquer lugar do mundo.

pensara contratar alguns marujos. mas sabendo das relações tumultuosas que ela, uma mulher, poderia causar em homens em pleno mar, resolvera navegar sozinha.

era um dia quase sem vento quando ela ergueu por si só as cordas e as travancas que seguravam o poder das grandes asas, que soltas, impulsionariam o velho veleiro.

não havia nome estampado ao casco. mas em seu íntimo a menina navegante sabia qual nome seria.

assim, maricéu e a nau sem nome, de um modo engraçado e desastrado, juntos, ganharam um lugar distante dos portos. um lugar também sem nome, que se esconde por detrás das buscas nas quais os sonhadores sem correção estão sempre metidos.

vento. até quando em meu imaginário esse elemento em movimento será o leme de tudo o que penso?

nenhuma solidão na solidão.

um veleiro, o mar e o céu.

como um maquinário de teatro o veleiro e seus panos. buscando guiar ao mundo pelos sulcos na água onde seus movimentos são denunciados.

depois de tantos dias, maricéu sorriu.

nenhuma terra ao redor. somente o mar.

somente o mar, o veleiro é o infinito trazido pelo verbo ir.

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segunda edição

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teria mesmo eu que me esmerar a dizer o quanto em tempo à cenografia me tenho dedicado?

respondo simplesmente então: dois anos.

somente por dois anos.

e será que tenho feito cenografia de verdade? claro que não. nem mesmo sei se existe isso, cenografia verdadeira.

há muitas teorias sobre a cenografia. minha teoria é inexistente. não sigo coisa alguma por querer. o que posso fazer é descrever aqui os processos do atelier e tentar descrever os passos de cada constructo que sai das cabeças da equipe que compôe o EXPERIACTO (nome dessa egrégora teatral que funciona no atelier).

esta é a primeira publicação de uma segunda parte do KATABLEMATA. uma biografia menos poética que a primeira parte e miniaturizada, que pode não levar o leitor a lugar nenhum. sei lá qual o intento disso. agradeço a quantidade de visitas e, pela primeira vez sinto-me responsável por escrever a muitos.

mas não esperem que o punhal esteja menos afiado. meu alvo continua sendo a barriga da pachorrice artistica embusteira que está por aí. só que neste segundo ciclo, percebo-me com a pele ainda mais dura, como que protegendo um arsenal. nenhuma emoção menos atenta. nenhum sonho antigo. tudo já parece soterrado. o que resta então é construir um novo imaginário. este será mais positivo, menos decepcionado e mais construtivo. acreditem, a mentira não me atravanca mais. aprendi a sentir seu cheiro a léguas de distância. que fique do outro lado tudo o que é pequeno-burguês, tudo o que é somente falácia, embuste e distração. traço uma linha e dela em diante o que me convém são as coisas mais simples, menos complicadas e por isso mais próximas de quem delas necessita.

é por não muito pensar que tudo acaba dando nos rumos menos desastrosos.

naturalidade seria um bom nome para o agir.

tenho experiências que me provaram que pensar muito te leva a passos ruins.

sou adepto da manufatura.

respeito os manufatureiros.

sou seguidor fiel das sensações. sou seguidor fiel de tudo o que é intuitivo. e sei lá o que é intuitivo.

viva os carpinteiros!

viva o meu pai. mestre marceneiro, que se pudesse ter sido seria um grande cenógrafo.

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sábado, 12 de fevereiro de 2011

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no atelier perdemos a capacidade de admirar cores que não sejam compostas.

há a possibilidade de falsificar uma floresta inteira. se houvesse tempo para isso, seria isso a coisa feita.

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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

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EXNORT

quando as cortinas se romperam e ainda quando o público aplaudia, um outro homem estava no foco ao centro fundo. ele se adiantou uns dez passos e disse num tom melancólico:

"Hoje não teremos espetáculo. e sinto dizer a todos que espetáculo deste tipo que teríamos hoje nunca mais teremos".

a platéia emitiu ruídos de falas sussurradas e amontoadas.

"Serafin faleceu esta manhã".

o silêncio de uma patéia é um silêncio infernal e demoradamente hediondo.

as tres campas tocaram como na interminável tradição de tantas eras...


a cortina se fechou.

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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

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EXNORT

A QUINTA MULTIPLICAÇÃO

por cinco vezes tentou desconstruir e reconstruir. durante o dia dizia o que mudaria logo mais à noite.

Dela era a renùncia recente e antiga de tudo o que seria o seu si mesmo.

no início uma duplicação. no decorrer, o fingimento de um reencontro. no final, a negação e o desdizer do já dito.
diante da quinta multiplicação da insuportável ciranda, o cisma seria uma consequência lógica?

cismou-se a noite do dia.
cismou-se o sonho do dia.
cismou-se a alegria do dia.
cismou-se a temperança do dia.

uma criança fatalmente cega pelo incêndio da cidade. talvez, uma criança fatalmente culpada pelo início do incêndio. brincando com fogo talvez perto demais das lonas dos circos. a cidade poderia não ser venturosa, mas havia alegria ali, nos picadeiros e nas rodasgigantes. quando a cinza tomou o espaço dos circos, o que restou foi uma desolação tão grande, que encontrar o culpado passou a ser uma busca diária de todos os sobreviventes.


de quem eram as mãos que atiraram ao fogo a pequena criança?
uma turba de feridos e famintos a rasgarem suas roupas...

o fogo, o início de tudo. o deus ancestral das cidades corroeu as peles da menina, arrancando sua capaciade de enxergar por completo. arrancando sua infãncia sem medo...


naqueles dias, Serafin era o único entre as cinzas da cidade. Habitava as ruínas do único espólio de pedra que ainda resistia, o teatro...


haveria o momento, depois de tanto tempo, em que ele, resignado pela culpa, estenderia seu dorso num palco a aclamar à platéia:

"NÃO FUJAM DOS RESQUÍCIOS DESSA FELICIDADE QUE NOS ALIMENTA
SEM TEMOR OS PULMÕES PODERIAM ASPIRAR UM AR SEM RECEIO DAS CINZAS?

O FOGO OUTRORA BENDITO FOI O DEUS QUE NOS ARRANCOU OS RISOS
O FOGO OUTRORA CONSTRUTOR FOI O ARQUITETO QUE DEMOLIU A TORRE MAIS ALTA".

pela beleza da agora mulher...

Dela se transformava numa espera absoluta dos mil perdões...



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sábado, 5 de fevereiro de 2011

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EXNORT

qual o significado da panacéia decifrável dentro do pequeno universo visual de Dela? a paixão inicial se transfomava numa conformidade, como um corpo que se deleita com o agasalho do algodão velho do casaco. deixar ao mundo a liberdade? deixar ao mundo um "não sofrer por mim"?

melhor nada deixar se desfazer e argumentar partículas e idealizar um amor inimaginável tal como um folhetim. Dela na solidão verteu-se numa busca por fugas. um rato que só se detém em buscar rachaduras que levem para o outro lado do mundo...


mas foi na solidão pretendida que o gestor do fogo lhe tocou os dedos na face.

o que posso fazer por mim?

pergunta e ao mesmo tempo estigma.

foi quando pela primeira vez percebeu que do mundo nada mesmo via que não fosse apenas uma partícula risível.

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mas e se um velho sentasse ao meu lado e se mostrasse a mim um justo entre a turba toda? todo o discurso antidivino poderia cair por terra, revelando assim minha dor de cotovelo com a fé alheia ao alheio...

ele se mostraria feliz com essa simplicidade de poder acreditar sim no improvável? ele nem daria a menor atenção ao meus anos intermináveis por respostas.

sua moral apesar de ser a moral do escravo seria ainda assim tenaz...


bem perto da morte e sem pensar na morte. eis o velho


desde estas horas da manhã a andar através da cidade... aposentado... viúvo... carrega uma bíblia nas axilas e parece contente através do dia dominical, vestindo um terno muito feio porém limpo demais


uma simplicidade encontrada nos cristãos mais insofismáveis.

talvez nem tudo seja um pandemônio mundano entre eles, digo eles como todos os muitos que não são como o tal velho. se um anjo corresse até aqui atrás de algum justo, qual justo seria possível ao Deus seletista?

o velho homem ainda se demorou um pouco até que desceu num ponto qualquer do centro da cidade. ele não tinha medo algum de morrer. e se foi caminhando lento até que se perdeu

e se surgisse alguém assim a cada hora?

em qual destas horas essa imagem venceria todas as indignações guardadas como relíquias?

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