quarta-feira, 24 de novembro de 2010

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EXNORT


1


Coragem é palavra que soa estranha, como se não tivesse uma outra que lhe impusesse uma oposição de significado e por isso quando dita vibra sozinha como uma existência compacta. Não consigo imaginar aquele que tem medo, como a ser o mesmo que não possui coragem. Muito menos a palavra covarde poderia se aproximar sendo de um significado inverso à coragem.

Nos últimos tempos algo me mostrou o que seria sentir medo. Mostrou-me o que seria tornar-me covarde e, o que porventura por outro lado poderia ser visto como coragem.

Imagino, para contar esta estória um braço estendido como de quem pede ajuda para levantar algo ou simplesmente o distende para dar socorro a quem está ou finge estar caído. vejo-me também a estar num lugar seguro, protegido da chuva e envolvido com planosvazios ... Mas ... devo tirar a narrativa na primeira pessoa e dar um nome ao meu eu personagem. Vou chamá-lo por agora apenas de O HOMEM.

o homem passava pela estrada em caminhada lenta quando viu deitada ao largo a criatura ferida, envolvida de panos, que parecia estar morrendo. Seria essa a visão cinematográfica da cena? Na verdade era apenas um par de olhos negros que cruzou o caminho e atravessou a estrada movimentada sem olhar para os lados. No quase suicídio eram os olhos mais tristes que o homem já havia visto. Ele de seu lugar seguro, sobre suas pernas, não conseguia tirar aqueles olhos de si mesmo.

Certo do dia depois do resgate, com a ponta dos dedos, tocou a pele daquele corpo onde aqueles olhos eram parte. A mão trêmula do homem se estendeu ao encontro da pele fria e quase totalmente fria. Eis a imagem deste pedaço de narrativa: a mão estendida e trêmula do homem. E, na imaginação de uma criança de cinco anos que assistia escondida ao filme, outras mãos se agarraram às mãos dele. Uma estranha felicidade tomou seu dia... e isso é como um segundo capitulo. a criança sentia um nervosismo, como se mesmo a ver coisas bobas, entendesse aquelas imagens como tudo o que no mundo era proibido.

Nessa movimentação de imagens em parafuso enxergo um pote de água do rio por onde se mete a mão do sedento para se servir da água com gosto de barro. Sinto o gosto daquele líquido e é como se a vida lentamente escorresse por esta garganta que me trouxe. Com as mãos na cintura o homem se estanca na frente de um rio e escolhe um lugar para adotar como sendo o lugar de sua história. Ele decidiu dar a quem lhe estendeu o braço outrora na estrada, um espaço muito grande dentro de sua alma...

Ele nem sabia quem era aquela criatura que nem em forma se acomodava.

Ele apenas a acolheu como criança que acolhe um pássaro encontrado no quintal.

É assim que começa esse terceiro capitulo.

O dia era um dia de outubro. Não se sabe se de tarde ou de manhã...

Elejamos para a narrativa alguns animais

Elejamos algumas músicas...

A moldura agora de cada si mesmo formaria a fisionomia maior da multidão? se é que cabe nessa estória algo além de apenas dois seres humanos... que caiba também tudo o que é canino, domesticado e mortífero.

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EXNORT

2


o homem, apesar de todo o cuidado que tomou, teve que se deparar com a triste constatação da quase morte daquela criatura. era tão pequena, impalpável e tão indefesa. os olhos permaneciam abertos e a posição de seu corpo se projetava para a saída da casa, como se a única idéia que lhe formava fosse a de simplesmente ganhar o mundo mesmo já sem quase movimento.

entristecido, guardou os olhos nas sombras das pálpebras de uma mulher que encontrara pela estrada, assim não morreriam de fome. o corpo todo dessa mulher era um corpo em demasia para a sutileza daqueles olhos. ali, depositado no corpo o olhar não criou vida. a criatura a qual o homem salvou realmente estava em estado profundo de morte e espera.

por sete dias ele tentou lhe encher de oxigênio, mas nada vivenciava o olhar. carregava consigo essa criatura inerte para todos os lugares por onde andava, na esperança infantil de que novamente a vida ali, em estdao de retina ressurgisse para o pó e as mil estradas.

foi então que soube da existência de um mágico extrangeiro que tinha o poder de devolver vida aos que já mortos viviam. o homem bateu à porta do mágico e implorou por sua ajuda. o mágico, educado e cheio de cortesia com um um toque de suas mãos fez com que a criatura se recriasse em vida dentro do corpo de uma outra mulher. o mágico disse que boa parte da pureza daquele olhar cairia no sorriso da jovem, como uvas negras que brotam no tronco de um cajueiro. fez também com que a inocência das retinas tristes banhassem o colo e os seios da mulher, como um sol matinal que ilumina o giral bem cedinho. e assim, parte a parte, a criatura que era somente um olhar passou a habitar um corpo inteiro de uma mulher.


o mágico batizou aquela criatura de Delatoria. e ao homem que até então era somente homem, o mágico deu o nome de Exnort.


EXNORT

3

A construção destes personagens tão fora do ordinário poderia levar um leitor a crer que estivesse sobre o texto de um lunático. Acreditar na independência das particulas que formam o que é maior é uma saída possível pro descontente com as pequenas respostas da conformidade do olhar no todo. Por desconfiar agora, depois de velho, que o todo é um acordo simples e imposto por alguns sobre outros...

Como ruminar, resmungar somente?

Olhar livre no espaço do vazio.

Os olhos livres do vácuo na face, foras de órbita em 360 graus.

O abraço sem os braços, por isso de corpo inteiro.

O desejo físico sem um corpo, por isso apenas desejo.

Existências dependentes de outras existências agora liberadas pela construção imaginária de um ser quase lunático... que liberado das limitações do físico mergulha num coma sem volta.


4

O quebra cabeça espalhado foi acomodado numa caixa de sapatos e deixado no sótão. O cara com um tapa-olho e um matamoscas era o vigia da caixa. Por cinquenta anos ele não tinha a motivação para reconstruir o corpo fragmentado...

Só o olhar escapou e achou num quarto de hora o motivo para erguer uma grande paixão.

Exnort fez um acordo consigo mesmo. Ele viveria aquilo.

Exnort fez um apelo a si mesmo: ele viveria aquilo.




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