terça-feira, 4 de abril de 2017

As peças em reencontro 13

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Foi depois de muito tempo. Eu percebi que Serafin, o primeiro dos títeres que criei podia dobrar os joelhos e flutuar. Sim... eu vivera muitas coisas, tinha 41 anos, um coração remendado mil vezes. Mas aquilo me fez entender quase tudo o que vivi.

O sonho estava lá, ao toque de minhas mãos. Dobre os joelhos, seja ainda menor...

Eu começava desde ali a me desvencilhar dos enigmas. Eles estavam agarrados a tudo o que eu escrevera, a tudo o que desenhara. Minhas palavras foram por tanto tempo tão incompreensíveis e eu não conseguia dizê-las sem machucar alguém que morava dentro de mim.

Mas os títeres nasceram desde tudo isso, preenchidos com sua alma de pura salvação. Um espelho do que somos, ou sonhamos ser. 

Ninguém pode esperar de mim a perfeição. Ninguém poderia me amar e ter ao certo a idéia de que eu nunca me mostraria causador de algo ruim. Sempre fui desde que nasci uma porta para a dor de alguém, para seus sorrisos festivos, para seu amor. Mas nunca fui uma porta de total bondade.

Quando Serafin andou pela primeira vez entre as pessoas, uma criança se aproximou dele e sorriu, dançou e me pareceu não se importar em se deixar às emoções de algo tão ilógico. Percebi que a criança só sentia. e o sentir dela me era a lição que me faltara na longa pequena vida que eu tivera até então.

Vou me dedicar a sentir muito mais que a entender. Meu voto inconsciente, um jurar solene e íntimo. E no dia em que eu sentir algo que me transforme tanto, eu saberei como não agir... como errar para ver. O universo se manifestará, eu direi o que direi...  e só a leve suspeita disso me transformará e vai doer muito mais que um golpe na carne. Vou sentir como se arrancassem meus fios e vou, mesmo jogado ao canto, pedir sem movimento algum em mim: faça-me de novo o que sou e serei novamente tudo.

E tudo a que vem, vivo. E a tudo o que me mata, morro.

E assim o tempo some porque já não faz sentido.

E viver esse sem sentido é sentir. É livrar-se do que priva e do que livra.

É apenas viver.
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