terça-feira, 3 de maio de 2011

PARA SUILAN

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nem a imagem de uma avó sentada numa cadeira de balanço. nem a imagem de um balanço pendurado num fino pé de umbu. nem a imagem de um velho barco soterrado pela areia na praia do sossego...

não... nem a imagem de um pássaro cruzando o céu não se sabe se do norte pro sul ou vice versa.

nem a imagem de qualquer coisa tão feia que possa despertar o sonolento.

há um vácuo tão inútil que o melhor que se faz é sentar e esperar.

pensa-se, nesse estado mágico, que esperar foi um verbo do qual o criador cansou. e por estar cansado dele criou o mundo.

mas nada de criar mundos depois da colagem dessas imagens... nada de criar palavras unidas para dizer qualquer coisa...

esperar... se fosse algo que se pudesse ver, esse verbo seria uma ilusão de ótica.

mas no entorno, na moldura há um espírito maior que rege a espera. e quem é o louco que diria isso ser espera se nem ao menos uma forma toma assento no nervosismo dos pensamentos?

ora, antes de tudo ser feito resta só o que está em repouso

paredes do quarto
televisor desligado
luz verde do computador sobre a mesa cheia de livros
ventilador velho rosnando
latidos dos cães ao longe refletidos nos ladrilhos do que se vê da sala
fotografias de minha filha
o sorriso de minha filha
os olhos de minha filha
uma outra bela foto que veio da impressora que já não mora aqui comigo
o teto que eu mesmo construí
as paredes que eu mesmo pintei
o colchão de ar que eu mesmo enchi
a cadeira de diretor de cinema que roubei do teatro
os sacos pretos de lixo cheios de roupas que devo lavar
roupas que devo vestir
roupas às quais devo um descanso merecido

preciso varrer esse chão
comprar pilhas para o relógio da cozinha
comprar também umas quantas panelas de teflon.

já comprei livros de receita. deles, fiz só as rosquilhas de cebola ao alho, mas não delas gostei...

preciso também comprar colheres de pau para mexer as coisas quentes...


preciso...
esse verbo se faz contrário ao verbo esperar
espero precisar esperar, então
preciso esperar.

porra, já é tarde. onde está a paciência para ler essas legendas?

mas antes o olhos não cerram e ...outras tantas mil imagens antes do sono.

prefiro forçar a mente e ter ao largo o que não toco além de ser com o espírito.

o amor, dizem, falaria pelo tato se tudo fosse cego...

no meu caso, fala segundos antes da paralisia do sono.

o amor dizem, falaria pelo tato se todos fossem cegos e surdos.

no meu caso, fala segundos antes do sono.

o amor falaria pelo tato se tudo fosse cego surdo e mudo

no meu caso, fala segundos antes do sono.

o amor falaria pelos sonhos ao insensível cego surdo e mudo.

no meu caso, fala segundos antes da paralisia do sono.
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2 comentários:

  1. Seria impossível descrever, em qualquer instante, a minha honra e louvor aos seus escritos. E penso, com certa cotidianidade, que lá se vão anos. De cais, veleiros, indagações e reinventos.

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  2. De cais, veleiros, indagações e reinventos.

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