quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

AOS OLHOS DE KLEINE FRAU. A RESSURREIÇÃO


“Acorde pequeno Serafin”. Eu sabia que lá fora o dia estava claro e em mim aquele sono incontrolável depois da noite em que deitei sobre a sua pele macia como seda, e sua carne quente. Da pouca luz que entrava, o que me dava o momento, eram os desenhos de folhas de acanto, pinceladas nas colchas finas que embrulhavam sua nudez. Pouca luz aqui dentro e uma cidade enlouquecida lá fora.

“Acorde”.Talvez não tenha nada lá fora além do sossego e, realizando meu velho sonho, depois de ter ao leito a que me trouxe à luz, não senti uma grande necessidade de abrir janela alguma. Mas era preciso. Fizemos algumas mudanças neste lugar.  Deixei, certo dia,nas mãos do menino apressado, aquele mesmo que outrora consertava o telhado da casa sob o castanheiro, um convite. “Um convite de quê, senhor?”.

Tão pequeno... nem se importava com o tamanho da força que tinha.

“Traga os outros pequenos que encontrar. Todos os que moram além do trigal...”

“Não  mora ninguém além do trigal”, ele respondeu querendo voltar ao trabalho cruel que executava. Eu lhe segurei a mão. Ele me voltou um olhar melancólico. “Tem sim”, eu lhe disse. A criança então deixou que os cacos de telha caíssem de suas mãos e deu um sorriso.

Descobri seu segredo... você esteve em mim o tempo todo. Uma pequena criança tentando consertar o mundo. Um pequeno anjo que tinha em mim a sua prisão. Minha alma. Alma de meu Bennario.

“Já faz muito tempo que o último ouriço quebrou o telhado”.Falou-me com um certo tédio.

“Sim...muito tempo... O castanheiro já não existe mais”. Quando falei isso, seus olhinhos se arregalaram. 

Alegria e dor? Seria possível as duas energias ali ao mesmo tempo, diante de mim, no brilho dos olhos daquele menino? “Um inverno muito longo e frio o ressecou, e isso mesmo já faz muito tempo”.

Então ele caminhou até a porta e a empurrou, deu uma última olhada no pedaço de papel, “eu irei”, disse num sorriso sutil, “pode ter certeza”. O dia lá fora estava claro em pura luz. Sobre a casa, o castanheiro sem vida ainda se erguia, ressecado e sem vida. Ele protegeu os olhos do sol e mediu aquele gigante, razão de sua vida, de sua dedicação. Deu uma última olhada a mim e correu na direção das montanhas. “Diga que a ama”,ele gritou ao longe, “diga isso!”...

“É você que está aí?”. Sim. Ela acordara. Sua nudez coberta pelas sombras.Mas dali eu podia quase ver e entender seu rosto.

Já faz tempo...

Minha alma que se espalhara. Colar de mil contas que um dia se rompeu. Todas as minhas pérolas estão aqui agora. As mil pérolas. Meu sossego. “Diga que a ama”, eu ouvi a voz do menino dentro de mim novamente. Sorri. “Por que sorri?...Ela me perguntou, estava perto da porta.


“Amo você”, eu disse, não eram palavras novas ou cheias de segredo. Ela saiu para o alpendre. A luz do dia clareou seu rosto e a sala.  Um dia lindo, o rosto como o dia. No horizonte o sol, na areia da praia um pequeno bote sem remos. “Quem seria o louco que imaginaria um lugar assim?” Ela fez essa pergunta sem me olhar; quando virou-me o rosto trouxe-me junto, o sorriso mais belo que sua vida me deu.

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