quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O TEMPO DAS PAREDES


Há o tempo das paredes

Depois dos dias da argila em seu inferno em corpos de tijolo
da alvenaria ressecada em brasa
vem os dias das cores sobrepostas
dissolvidas pelos ácidos invisíveis das chuvas

Há o tempo das confissões à lápis
depois que os casais se escondem das mães, das freiras

da fúria dos maridos putos

Em corações atravessados por setas
nomes de mil criaturas distintas
que recobriram dos ares e dos olhos
a paixão ardente das puberdades
de quem já se deve sem vida ter ido te tão velho
(gloriosa morte, quem sabe)

Se, fez-se do beijo um início de amor eterno
ou se da saliva dele sobrou o cuspe
na parede as juras velam ao tempo
o milagre do desejo mundano
de fazer durar pra sempre
O que escapa à memória e ao corpo

É o consolo escrito na cal amarelada
da velha e incansável parede da esquina.

Há o tempo dos olhos dos homens velhos
que cegos à conta-gotas nublam o qualquer brilho
da mesma alegria dos meninos
que moram silenciosos nos olhos cegos

Há o tempo das paredes
depois de erguidas, antes do ruir
depois da areia, antes das pedras 
e há o tempo do entulho e seus pedaços

Vão-se as juras gravadas em rocha
insistidas a durar mil anos
pra alcançar o tempo dos novos homens
dos novos dias; das novas paredes.

As paredes
são os templos do tempo.

carta à minha criação

ALEGRE-SE

Pra te ajudar eu precisaria te amar? Te amar um pouco daquele jeito de outrora, quando te descobri no mundo, cercando violetas e árvores gêmeas, com os olhos marejados de choro e com a meiga tolice juvenil de quem levanta, perambula através do dia todo e não arruma a cama?

Eu também via um ouro escapando, despencando das paredes da cratera que tanto escavei, levado por uma vala de água de chuva a minha perseguida riqueza. Eu também sentia dor por gritar na minha língua, sem ombros, sem canto, sem ouvidos a mim atentos.

Eu não queria a tua felicidade, eu queria um sossego, um recanto na tua alma onde eu pudesse ficar calado. Onde nenhum grito crescesse em mim.

Pra te ajudar, tomar tua mão, eu teria mesmo que não te amar? Não querer ter a posse do direito de conhecer teus caminhos e me jogar neles... ?

Não sou um lugar onde devas chorar, como a sombra de uma grande árvore, único recanto onde o menino travesso mostrara o que temia, o que sentia. Onde sua coragem era um fio fino, que quebrava sempre, nos ritmos da terra.

Minha arte também é uma fuga. Uma tentativa de minha língua dizer que tudo é mais simples. Ei! Eu diria, ei, não é tudo tão pesado assim.

Nos dias em que estávamos diante da encruzilhada, um beijo poderia distrair,  poderia apagar o peso do selo que dissera ser aquilo uma aventura. E muitos beijos na encruzilhada não evitaram o óbvio das escolhas.
Eu fiquei ali, por um bom tempo, na encruzilhada...

Sem escolher caminho algum.

Dores possuem esse feitiço do não esquecimento, além do feitiço da eterna dúvida.
Eu seria melhor pra mim mesmo se tudo tivesse sido de um outro jeito? Essa minha breve desalegria seria viva se por ali e não por aqui eu tivesse ido?

Elas ardem todos os dias...

As dores velhas disfarçadas em novas dores, com novas cores, novas faces, novas tristezas feitas de outros dilemas, elas ardem como chamas de cor salmão. As dores parecem reencarnar. Dominam mil corpos, assolam o tempo do relógio, assolam o tempo das almas. As dores não podem viver sem nós.
Tua arte também é o escudo, a língua e o vento, o preço e a fome, o dito e a ânsia?  Assim é o que ouço da tua voz.

Se eu pudesse eu te daria um jardim onde as dores não alcançassem as flores. Mas,  olhando bem de perto, já temos um jardim assim, onde nos encontráramos, como quem lembrava que naquela caixa velha e guardada sob a cama, morava uma lâmpada que não falharia em nos dar à luz.

Procure esse jardim sob a cama não como quem foge, mas como quem encontra.

Um jardim particular com pincéis cores e fugas. Nele eu me escrevo e entendo que escrevo em tua pele, porque desde aquele dia em que teus olhos me deram pouco de olhar, tenho sentido a vida passar, tenho me sentido viver e, também tenho sentido cada célula minha morrer.

Uma população de um país inteiro morrendo dentro de mim, caindo pelas praças, pelas escadarias, nos cafés e boulevards. Nessa lenta ida de minhas células, a preciosidade, a mesma da pepita que escorrera,escapa-me de quando em quando. Todos os dias  levanto pensando em buscar. Todos os dias eu acordo pedindo aos planetas e às estrelas e a todo o cosmos...

alegre-se, entenda... aceite, ame...

Eu te criei. E por isso posso chamar de amor a tua criação. Tenho vontade de olhar bem dentro dos teus olhos, como um mortal a balançar teu corpo pelos ombros, entrar com toda água do mundo em tua alma... purificar... dissolver... tornar leve o teu espírito.

Penso num lençol branco de algodão tremulando ao vento, estendido, com aquele cheiro que é bem capaz de curar todos os males.

Feche os olhos e pense numa cena assim...
Minha criação...

Meu filho.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

losunila

"Os fios descem e encontram uma cabeça vacilante. No centro, o fio da alma é o mais espesso, pesado, como se transportasse sangue. Ele desce reto, longilíneo, de um céu distante dos olhos..."

Tenho sido o cara que diminui de tamanho, sem carecer beber líquido mágico nenhum. Mas talvez exista sim essa mágica.

Se o pequeno teatro tivesse uma voz, ela me indagaria se quero ser um deus. Eu respondo que sim a cada instante em que um talho muda a forma das mãos e do rosto dos bonecos...

Instante felizes, muito pouco entre os dedos...


Estivemos certos a pensar que seria tola essa dificuldade inventada que tantos dizem ser o maior adversário das criações. Criar carece de um pacto pacífico. Carece de uma ausência de culpa ou de vontade de se culpar.

Losunila me indagou o que eu estava pensando.

Busquei na cabeça um modo de diminuir o tamanho do que eu pensava. Então disse que pensava na tristeza das pessoas que fazem o pouco, aquele pouco que é pouco demais, bem menor que aquele mínimo que podem fazer e, por sabe-se lá por qual vício da alma, desenham desculpas imensas para justificar o seu pouco e, as desculpas pretendem tornar o pouco um muito. A sinceridade poderia ser a única coisa que transmutaria os tamanhos de nossas atitudes. Com ela o muito se cairia em pouco e o pouco continuaria sendo pouco... pra quem nunca se conforma. Os inconformados, Losunila, são seres estranhos... e é bom se afastar deles o máximo.

Ela riu.

Losunila riu disso.

E o senhor é um inconformado?

Eu? Um inconformado? Não... quem me dera.


terça-feira, 12 de novembro de 2013

FLORES DE NOVEMBRO



"abrir a porta nunca foi tão difícil".

andar com os cotovelos tocando o chão, sabendo que a Madalena está ao alcance dos olhos e carrega uma arma mortífera. 
Ganhando os segredos do corpo,  descobrindo as palavras mágicas que regam os nomes da carne...



"pôr os pés no chão, deixando um rastro de destruição a cada passo..."


"seguir adiante"...

Benditos todos os Novembros, se todos os novembros carregassem primaveras, diriam das flores os poetas vagabundos que, os novembros teriam perfumes anuais que ressuscitariam amores adormecidos...

E a eternidade em mim secular do décimo primeiro mês não me alcança em tempo mínimo, para esquecer, de seu nome; um significado que só mesmo a mim, na terra, cabe guardar em sonho. Um segredo inútil...


morro em pouco... 


"como sobreviver diante do novo, do desconhecido?
.
.
.
queria te dar todo amor"

em soprar que aquela curta vida


vive ainda.

cronicas do teatro pobre

3


A família era grande demais para que sobrasse tempo à arte. Arte, que porra é essa?

A frustração da liberdade dissolvida num tempo de contagotas. Na chegada à casa - paga mensalmente como quem joga cédulas através da janela, os filhos amorosamente enfileirados em suas infâncias... um arremedo desfigurado de uma família dinamicamente feliz, mal se deixam distrair, preferem as telas, o consumo exagerado das energias elétricas, ainda que aparentemente aprisionados nesse medo que habita os olhos da infância.

A obrigação do amor. A chance de fugir, escapulir através desses seres vivos espalhados pelo tempo. "A vida deles é a desculpa deslavada para a surdez da minha"

"Deixei uns livros pela metade"...

"Eu gostava de escrever"...

Anjos voadores; desafiadores de nuvens. Os olhos se abrem na madrugada, secos. Nenhum pensamento que justifique o desaparecimento do sono. "Talvez eu tenha caído nisso por pura obra do acaso". Se nada do talento nessa construção se instala, o que sobra de ganho? Dinheiro? Gorgetas?

"Ela cismou de cantar". De repente, naqueles tempos, pintou uma confiança, uma confiança com cara de sorte grande. "Se ela vingasse, pelo menor carregaria na bolsa de suas cantigas alguns dos meus versos". 

Costumava gastar alguns minutos fazendo poemas de amor. Ruins de doer. Maldita juventude perdida. Maldita vontade de estar em casa, sem estar perdendo tempo com este mundo de dementes, "de pederastas pervertidos", artistas de falsa profecia. Andar no meio dessa gente, que tédio, "me forçar a parecer um deles", isso causa alguma doença grave no espírito. No final de tudo; no final das contas sobra apenas o homem ornado de calças curtas, atravessando a rua em busca desesperada por pilhas alcalinas.

"Sensualizar a minha masculinidade ao extremo para desenhar em mim um rascunho de um plano que não cumpri". Talvez lhe falte a mesma  força masculina de heróis mesmo menores, daqueles heróis que nada fazem além de ajudar velhinhas a carregar as compras da feira. E as aventuras? E o chistes? E a peraltice das mentiras desmoralizantes? Pobre Ulrich...

Quem te viu quem te vê...

O travesseiro ou um grande vazio das horas?

Os olhos secos não somente pela insônia...

"Escondo minha vida nessa casa alugada onde escondo minha prole. Se não fosse um bairro tão violento, eu desceria um pouco... respiraria um pouco o ar da noite e deixaria por um instante de pensar nos meus fracassos, ou deixaria de usar as consequências de minhas escolhas como coisas grandiosas...

Melhor ligar o computador...

me divertir com pornografias. Foda-se todo o resto".


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

crônicas do pobre teatro

2

Cairia de espanto a criatura de espírito não tumultuado, que por imprudência atravessasse a cortina protetora. Veria-se metida num asilo perdido de gente desequilibrada e tranquila, que mais falava que vivia.

Na fuga, a velha surda era a mais pertinente, pois se evadia de tal modo, que sua falta mesmo que durasse dias, não fazia espanto ou gerava falácias. Vez ou outra ela aparecia a vender lençóis, ou catava dinheiro a oferecer rifas. Diziam alguns, que sua surdez era falsa, que a tudo ouvia com os tímpanos cirúrgicos de uma fofoqueira especializada.

Mas se a velha surda ouvia mais do que poderia entender, qual o ganho em fingir que não ouvia o que decerto ouvia claro?

Na sua casa lhe esperava o marido louco, que vez ou outra lhe expulsava aos chutes ou lhe trancava na cara todas as portas...

Fico a pensar nela, medindo o movimento das tardes sem muita matemática, sem nenhuma preocupação ou filosofia, conformada com a ideia de que sua única função no teatro era nos engordar com os quitutes caboclos que vendia de terças a sextas, ou mesmo nos fazer arquitetar uma degustação por pura piedade ou gula insípida. 

Ah, me era melhor a  velha surda, mais digna sua existência, que os poetas ridículos, que os músicos bêbados ou deslumbrados, que toda a decadente choldra artística da cidade que rastejava por aqueles corredores. Mais valorosa sua imagem, sentada ao canto do sofá, com sua cara redonda e óculos gastos, sem entender nada do mundo, ou se fingindo distante do alcance de todos os venenos de nossos verbos. melhor que quase tudo ao redor do palco, na realidade, que respirava sob as luzes frias...

O universo além das coxias, era um universo de criaturas assustadoramente simples...

monstruosamente simples, como flores de maria-mole.