ALEGRE-SE
Pra te ajudar eu precisaria te amar? Te amar um pouco
daquele jeito de outrora, quando te descobri no mundo, cercando violetas e
árvores gêmeas, com os olhos marejados de choro e com a meiga tolice juvenil de
quem levanta, perambula através do dia todo e não arruma a cama?
Eu também via um ouro escapando, despencando das paredes da
cratera que tanto escavei, levado por uma vala de água de chuva a minha
perseguida riqueza. Eu também sentia dor por gritar na minha língua, sem
ombros, sem canto, sem ouvidos a mim atentos.
Eu não queria a tua felicidade, eu queria um sossego, um
recanto na tua alma onde eu pudesse ficar calado. Onde nenhum grito crescesse
em mim.
Pra te ajudar, tomar tua mão, eu teria mesmo que não te
amar? Não querer ter a posse do direito de conhecer teus caminhos e me jogar
neles... ?
Não sou um lugar onde devas chorar, como a sombra de uma
grande árvore, único recanto onde o menino travesso mostrara o que temia, o que
sentia. Onde sua coragem era um fio fino, que quebrava sempre, nos ritmos da
terra.
Minha arte também é uma fuga. Uma tentativa de minha língua
dizer que tudo é mais simples. Ei! Eu diria, ei, não é tudo tão pesado assim.
Nos dias em que estávamos diante da encruzilhada, um beijo
poderia distrair, poderia apagar o peso
do selo que dissera ser aquilo uma aventura. E muitos beijos na encruzilhada
não evitaram o óbvio das escolhas.
Eu fiquei ali, por um bom tempo, na encruzilhada...
Sem escolher caminho algum.
Dores possuem esse feitiço do não esquecimento, além do
feitiço da eterna dúvida.
Eu seria melhor pra mim mesmo se tudo tivesse sido de um
outro jeito? Essa minha breve desalegria seria viva se por ali e não por aqui eu
tivesse ido?
Elas ardem todos os dias...
As dores velhas disfarçadas em novas dores, com novas cores,
novas faces, novas tristezas feitas de outros dilemas, elas ardem como chamas
de cor salmão. As dores parecem reencarnar. Dominam mil corpos, assolam o tempo
do relógio, assolam o tempo das almas. As dores não podem viver sem nós.
Tua arte também é o escudo, a língua e o vento, o preço e a
fome, o dito e a ânsia? Assim é o que
ouço da tua voz.
Se eu pudesse eu te daria um jardim onde as dores não
alcançassem as flores. Mas, olhando bem
de perto, já temos um jardim assim, onde nos encontráramos, como quem lembrava
que naquela caixa velha e guardada sob a cama, morava uma lâmpada que não falharia
em nos dar à luz.
Procure esse jardim sob a cama não como quem foge, mas como
quem encontra.
Um jardim particular com pincéis cores e fugas. Nele eu me
escrevo e entendo que escrevo em tua pele, porque desde aquele dia em que teus
olhos me deram pouco de olhar, tenho sentido a vida passar, tenho me sentido
viver e, também tenho sentido cada célula minha morrer.
Uma população de um país inteiro morrendo dentro de mim,
caindo pelas praças, pelas escadarias, nos cafés e boulevards. Nessa lenta ida
de minhas células, a preciosidade, a mesma da pepita que escorrera,escapa-me de
quando em quando. Todos os dias levanto
pensando em buscar. Todos os dias eu acordo pedindo aos planetas e às estrelas
e a todo o cosmos...
alegre-se, entenda... aceite, ame...
Eu te criei. E por isso posso chamar de amor a tua criação.
Tenho vontade de olhar bem dentro dos teus olhos, como um mortal a balançar teu
corpo pelos ombros, entrar com toda água do mundo em tua alma... purificar...
dissolver... tornar leve o teu espírito.
Penso num lençol branco de algodão tremulando ao vento,
estendido, com aquele cheiro que é bem capaz de curar todos os males.
Feche os olhos e pense numa cena assim...
Minha criação...
Meu filho.