quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O TEMPO DAS PAREDES


Há o tempo das paredes

Depois dos dias da argila em seu inferno em corpos de tijolo
da alvenaria ressecada em brasa
vem os dias das cores sobrepostas
dissolvidas pelos ácidos invisíveis das chuvas

Há o tempo das confissões à lápis
depois que os casais se escondem das mães, das freiras

da fúria dos maridos putos

Em corações atravessados por setas
nomes de mil criaturas distintas
que recobriram dos ares e dos olhos
a paixão ardente das puberdades
de quem já se deve sem vida ter ido te tão velho
(gloriosa morte, quem sabe)

Se, fez-se do beijo um início de amor eterno
ou se da saliva dele sobrou o cuspe
na parede as juras velam ao tempo
o milagre do desejo mundano
de fazer durar pra sempre
O que escapa à memória e ao corpo

É o consolo escrito na cal amarelada
da velha e incansável parede da esquina.

Há o tempo dos olhos dos homens velhos
que cegos à conta-gotas nublam o qualquer brilho
da mesma alegria dos meninos
que moram silenciosos nos olhos cegos

Há o tempo das paredes
depois de erguidas, antes do ruir
depois da areia, antes das pedras 
e há o tempo do entulho e seus pedaços

Vão-se as juras gravadas em rocha
insistidas a durar mil anos
pra alcançar o tempo dos novos homens
dos novos dias; das novas paredes.

As paredes
são os templos do tempo.

carta à minha criação

ALEGRE-SE

Pra te ajudar eu precisaria te amar? Te amar um pouco daquele jeito de outrora, quando te descobri no mundo, cercando violetas e árvores gêmeas, com os olhos marejados de choro e com a meiga tolice juvenil de quem levanta, perambula através do dia todo e não arruma a cama?

Eu também via um ouro escapando, despencando das paredes da cratera que tanto escavei, levado por uma vala de água de chuva a minha perseguida riqueza. Eu também sentia dor por gritar na minha língua, sem ombros, sem canto, sem ouvidos a mim atentos.

Eu não queria a tua felicidade, eu queria um sossego, um recanto na tua alma onde eu pudesse ficar calado. Onde nenhum grito crescesse em mim.

Pra te ajudar, tomar tua mão, eu teria mesmo que não te amar? Não querer ter a posse do direito de conhecer teus caminhos e me jogar neles... ?

Não sou um lugar onde devas chorar, como a sombra de uma grande árvore, único recanto onde o menino travesso mostrara o que temia, o que sentia. Onde sua coragem era um fio fino, que quebrava sempre, nos ritmos da terra.

Minha arte também é uma fuga. Uma tentativa de minha língua dizer que tudo é mais simples. Ei! Eu diria, ei, não é tudo tão pesado assim.

Nos dias em que estávamos diante da encruzilhada, um beijo poderia distrair,  poderia apagar o peso do selo que dissera ser aquilo uma aventura. E muitos beijos na encruzilhada não evitaram o óbvio das escolhas.
Eu fiquei ali, por um bom tempo, na encruzilhada...

Sem escolher caminho algum.

Dores possuem esse feitiço do não esquecimento, além do feitiço da eterna dúvida.
Eu seria melhor pra mim mesmo se tudo tivesse sido de um outro jeito? Essa minha breve desalegria seria viva se por ali e não por aqui eu tivesse ido?

Elas ardem todos os dias...

As dores velhas disfarçadas em novas dores, com novas cores, novas faces, novas tristezas feitas de outros dilemas, elas ardem como chamas de cor salmão. As dores parecem reencarnar. Dominam mil corpos, assolam o tempo do relógio, assolam o tempo das almas. As dores não podem viver sem nós.
Tua arte também é o escudo, a língua e o vento, o preço e a fome, o dito e a ânsia?  Assim é o que ouço da tua voz.

Se eu pudesse eu te daria um jardim onde as dores não alcançassem as flores. Mas,  olhando bem de perto, já temos um jardim assim, onde nos encontráramos, como quem lembrava que naquela caixa velha e guardada sob a cama, morava uma lâmpada que não falharia em nos dar à luz.

Procure esse jardim sob a cama não como quem foge, mas como quem encontra.

Um jardim particular com pincéis cores e fugas. Nele eu me escrevo e entendo que escrevo em tua pele, porque desde aquele dia em que teus olhos me deram pouco de olhar, tenho sentido a vida passar, tenho me sentido viver e, também tenho sentido cada célula minha morrer.

Uma população de um país inteiro morrendo dentro de mim, caindo pelas praças, pelas escadarias, nos cafés e boulevards. Nessa lenta ida de minhas células, a preciosidade, a mesma da pepita que escorrera,escapa-me de quando em quando. Todos os dias  levanto pensando em buscar. Todos os dias eu acordo pedindo aos planetas e às estrelas e a todo o cosmos...

alegre-se, entenda... aceite, ame...

Eu te criei. E por isso posso chamar de amor a tua criação. Tenho vontade de olhar bem dentro dos teus olhos, como um mortal a balançar teu corpo pelos ombros, entrar com toda água do mundo em tua alma... purificar... dissolver... tornar leve o teu espírito.

Penso num lençol branco de algodão tremulando ao vento, estendido, com aquele cheiro que é bem capaz de curar todos os males.

Feche os olhos e pense numa cena assim...
Minha criação...

Meu filho.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

losunila

"Os fios descem e encontram uma cabeça vacilante. No centro, o fio da alma é o mais espesso, pesado, como se transportasse sangue. Ele desce reto, longilíneo, de um céu distante dos olhos..."

Tenho sido o cara que diminui de tamanho, sem carecer beber líquido mágico nenhum. Mas talvez exista sim essa mágica.

Se o pequeno teatro tivesse uma voz, ela me indagaria se quero ser um deus. Eu respondo que sim a cada instante em que um talho muda a forma das mãos e do rosto dos bonecos...

Instante felizes, muito pouco entre os dedos...


Estivemos certos a pensar que seria tola essa dificuldade inventada que tantos dizem ser o maior adversário das criações. Criar carece de um pacto pacífico. Carece de uma ausência de culpa ou de vontade de se culpar.

Losunila me indagou o que eu estava pensando.

Busquei na cabeça um modo de diminuir o tamanho do que eu pensava. Então disse que pensava na tristeza das pessoas que fazem o pouco, aquele pouco que é pouco demais, bem menor que aquele mínimo que podem fazer e, por sabe-se lá por qual vício da alma, desenham desculpas imensas para justificar o seu pouco e, as desculpas pretendem tornar o pouco um muito. A sinceridade poderia ser a única coisa que transmutaria os tamanhos de nossas atitudes. Com ela o muito se cairia em pouco e o pouco continuaria sendo pouco... pra quem nunca se conforma. Os inconformados, Losunila, são seres estranhos... e é bom se afastar deles o máximo.

Ela riu.

Losunila riu disso.

E o senhor é um inconformado?

Eu? Um inconformado? Não... quem me dera.


terça-feira, 12 de novembro de 2013

FLORES DE NOVEMBRO



"abrir a porta nunca foi tão difícil".

andar com os cotovelos tocando o chão, sabendo que a Madalena está ao alcance dos olhos e carrega uma arma mortífera. 
Ganhando os segredos do corpo,  descobrindo as palavras mágicas que regam os nomes da carne...



"pôr os pés no chão, deixando um rastro de destruição a cada passo..."


"seguir adiante"...

Benditos todos os Novembros, se todos os novembros carregassem primaveras, diriam das flores os poetas vagabundos que, os novembros teriam perfumes anuais que ressuscitariam amores adormecidos...

E a eternidade em mim secular do décimo primeiro mês não me alcança em tempo mínimo, para esquecer, de seu nome; um significado que só mesmo a mim, na terra, cabe guardar em sonho. Um segredo inútil...


morro em pouco... 


"como sobreviver diante do novo, do desconhecido?
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queria te dar todo amor"

em soprar que aquela curta vida


vive ainda.

cronicas do teatro pobre

3


A família era grande demais para que sobrasse tempo à arte. Arte, que porra é essa?

A frustração da liberdade dissolvida num tempo de contagotas. Na chegada à casa - paga mensalmente como quem joga cédulas através da janela, os filhos amorosamente enfileirados em suas infâncias... um arremedo desfigurado de uma família dinamicamente feliz, mal se deixam distrair, preferem as telas, o consumo exagerado das energias elétricas, ainda que aparentemente aprisionados nesse medo que habita os olhos da infância.

A obrigação do amor. A chance de fugir, escapulir através desses seres vivos espalhados pelo tempo. "A vida deles é a desculpa deslavada para a surdez da minha"

"Deixei uns livros pela metade"...

"Eu gostava de escrever"...

Anjos voadores; desafiadores de nuvens. Os olhos se abrem na madrugada, secos. Nenhum pensamento que justifique o desaparecimento do sono. "Talvez eu tenha caído nisso por pura obra do acaso". Se nada do talento nessa construção se instala, o que sobra de ganho? Dinheiro? Gorgetas?

"Ela cismou de cantar". De repente, naqueles tempos, pintou uma confiança, uma confiança com cara de sorte grande. "Se ela vingasse, pelo menor carregaria na bolsa de suas cantigas alguns dos meus versos". 

Costumava gastar alguns minutos fazendo poemas de amor. Ruins de doer. Maldita juventude perdida. Maldita vontade de estar em casa, sem estar perdendo tempo com este mundo de dementes, "de pederastas pervertidos", artistas de falsa profecia. Andar no meio dessa gente, que tédio, "me forçar a parecer um deles", isso causa alguma doença grave no espírito. No final de tudo; no final das contas sobra apenas o homem ornado de calças curtas, atravessando a rua em busca desesperada por pilhas alcalinas.

"Sensualizar a minha masculinidade ao extremo para desenhar em mim um rascunho de um plano que não cumpri". Talvez lhe falte a mesma  força masculina de heróis mesmo menores, daqueles heróis que nada fazem além de ajudar velhinhas a carregar as compras da feira. E as aventuras? E o chistes? E a peraltice das mentiras desmoralizantes? Pobre Ulrich...

Quem te viu quem te vê...

O travesseiro ou um grande vazio das horas?

Os olhos secos não somente pela insônia...

"Escondo minha vida nessa casa alugada onde escondo minha prole. Se não fosse um bairro tão violento, eu desceria um pouco... respiraria um pouco o ar da noite e deixaria por um instante de pensar nos meus fracassos, ou deixaria de usar as consequências de minhas escolhas como coisas grandiosas...

Melhor ligar o computador...

me divertir com pornografias. Foda-se todo o resto".


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

crônicas do pobre teatro

2

Cairia de espanto a criatura de espírito não tumultuado, que por imprudência atravessasse a cortina protetora. Veria-se metida num asilo perdido de gente desequilibrada e tranquila, que mais falava que vivia.

Na fuga, a velha surda era a mais pertinente, pois se evadia de tal modo, que sua falta mesmo que durasse dias, não fazia espanto ou gerava falácias. Vez ou outra ela aparecia a vender lençóis, ou catava dinheiro a oferecer rifas. Diziam alguns, que sua surdez era falsa, que a tudo ouvia com os tímpanos cirúrgicos de uma fofoqueira especializada.

Mas se a velha surda ouvia mais do que poderia entender, qual o ganho em fingir que não ouvia o que decerto ouvia claro?

Na sua casa lhe esperava o marido louco, que vez ou outra lhe expulsava aos chutes ou lhe trancava na cara todas as portas...

Fico a pensar nela, medindo o movimento das tardes sem muita matemática, sem nenhuma preocupação ou filosofia, conformada com a ideia de que sua única função no teatro era nos engordar com os quitutes caboclos que vendia de terças a sextas, ou mesmo nos fazer arquitetar uma degustação por pura piedade ou gula insípida. 

Ah, me era melhor a  velha surda, mais digna sua existência, que os poetas ridículos, que os músicos bêbados ou deslumbrados, que toda a decadente choldra artística da cidade que rastejava por aqueles corredores. Mais valorosa sua imagem, sentada ao canto do sofá, com sua cara redonda e óculos gastos, sem entender nada do mundo, ou se fingindo distante do alcance de todos os venenos de nossos verbos. melhor que quase tudo ao redor do palco, na realidade, que respirava sob as luzes frias...

O universo além das coxias, era um universo de criaturas assustadoramente simples...

monstruosamente simples, como flores de maria-mole.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

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Visite-me novamente, musa
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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

CORAÇÃO NÃO SENTE - 1

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UM POUCO DA ARROGÂNCIA  dele escapuliu. Os gestos fechados, a simpatia acanhada. Os pelos entre as orelhas e as narinas são um disfarce. Ninguém no mundo poderia ser mais arrogante que o velho escritor. Ele é mais,com bem menos motivos. Devo assumir essa missão: parar, definitivamente parar de me divertir com essas coisas...

Prometi uma escrita mais aberta para este terceiro capítulo. Terceiro capítulo?

Onde estão os outros dois, eu me indagaria.

Por enquanto deixo uma cena, na verdade...uma imagem: o olhar lagrimado de Benedicto ao ver o filho seguir ao portão de embarque.

Um olhar triste. Um olhar de quem perdeu uma moeda valiosa.
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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

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Havia tanto sofrimento nos escritos do poeta, tanto suor na escolha das palavras...

Cansei nas duas primeiras linhas e dormi um sono profundo.
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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

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CANTE...

pensei em dizer "cante" para a filha do sorveteiro, enquanto o Ronaldo se debruçava em cantigas acompanhadas por violão.

Pensei em respirar; ausência de analgésicos. Dores turvas onde os sonhos se resumem a espasmos...

Espamos, é algo como essa desconfiança que sente quando a chuva vem longe.
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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

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Que voltem as palavras doces
um feto guardado, inato, espera pelo oxigênio de uma vida nova.

tranquila noite
tranquilos suspiros entre os lençóis limpos.
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quarta-feira, 29 de maio de 2013

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De certo modo, alguma coisa me incomoda nas lagartixas. talvez seja essa habilidade de andar pelas paredes, que elas exibem sem cerimônia alguma...

Tenho tentado entender alguns escritos, e por isso, passo vários minutos diante da tela a decifrar a fórmula e as construções em que os textos se encontram. Poucas coisas me distraem. amigos que surgem na rede a conversar, as lagartixas, que depois da reforma já nem são tantas...

Tenho me dedicado a entender a cerimônia do espelho, passada a Horácio por Vasco, seu pai.

A cerimônia consiste na oração silenciosa e gestual que vasco herdou de seus antepassados: permanecer diante de um espelho, a mirar os próprios olhos até que não exista dúvida do agora, eis a cerimônia.

lagartixas se exibindo, a correr pelas paredes brancas

meus espelhos me parecem côncavos...
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sexta-feira, 24 de maio de 2013

www.rainymood.com

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E lá estava eu parado na noite diante da loja de pneus recapados
como quem namora os movimentos de uma rainy mood page

nem velho caubói, nem homem durão de meia idade

os movimentos estudados, as palavras ruminadas
por doze anos de relutância ao gole
como na idade e tortura de um bom malt

se eu desse dez passos, cairia sedento

e a moça do balcão de frios sentiria um calafrio de medo
e o velho da caixa registradora enfiaria o indicador no gatilho


E lá estava eu no frio de uma madrugada de setembro

relaxando diante dos movimentos dessa rainy mood page

"não esqueci das promessas, meine Sansa. Só vim comprar  Marlboro...

olhar as luzes da estrada como quem olha uma saída para o boulevard"

não me espere para o jantar, garota. não faça o meu prato predileto

talvez a noite seja pra mim  a mais longa das noites
penso nisso quando vejo o sol se pondo, dourando a campina

E lá estavam as indagações impressas num bloco de papel velho

uma desculpa esfarrapada diante de minha bela rainy mood page

O estampido poderia assustar os pardais mais astutos

o grito da menina do balcão acenderia por fim a noite

não me espere pro jantar, moça

há algo noir entre meu corpo e a loja de pneus recapados


é por isso que a estrada virou abrigo do bom companheiro del rey

caindo aos pedaços ele resiste ao tempo que rasteja lento
as rodas murchas, enterradas na lama seca
palavras de amor sulcadas na lataria empoeirada

E lá estavam os sete segundos esperando por meu suspiro

na última linha escrita de minha rainy mood page

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Bravata à madrugada

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Adormeça  dragão com sua língua cantante
os sussurros das sombras à espera do dia

nas luzes antes da aurora 
a vaidade é mais permissiva
as floradas têm hora marcada
os gorjeios 
os silvos  
voos em revoada

adormeça  fogo das fogueiras do antes!
insistam em queimar, brasas vacilantes!

no corpo que desperta, sonolência
nas frases incompletas, temperança
desejo fingido
verdades traquinas
confissões amordaçadas

adormeça calor das cidades do leste
os ventos da manhã varrem suas varandas

sobra a saliva e o gosto antigo
o desejo confesso, o ombro inimigo
o desencaixe das peças
a conformidade da ausência
a paixão incompleta

a paixão incompleta
o vilarejo deserto
flores sedentas
horizonte distante

no horizonte distante
o dragão por fim se oculta
nas brasas  do mais novo cio

peito ardendo e corpo morrendo

desejo, busca, sono e vazio



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quinta-feira, 23 de maio de 2013


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Se contar um sonho rouba-se dele o seu teor mágico?

Ontem acordei tarde.Minha cabeça capta dores diferentes por culpa, eu suponho, desses travesseiros que se apastelam e endurecem com o tempo. O relógio verde apontava o ponteiro pequeno para as quatro... cedo demais...

Amanheceu. fui ao supermercado e comprei quatro travesseiros novos, com fronhas pretas. Engoli umas pastilhas besuntadas com orfenadrina. Dizem que relaxa. Deixei-me dormir um pouco mais. Esperei outras presenças, outras vozes...

Nessas horas matinais o sonido das rodinhas da pequenina bicicleta...

lembro bem, ela pedalava passando por sobre todos os buracos das vias até a escola. Dividia o cabelo em duas tranças, pequenas, que se acomodavam como orelhas de coelho. Sempre pareceu muito séria entre as outras da mesma idade, negava aproximações bruscas e nunca falava com estranhos.

Sempre pensou muito, antes de falar. Por muitas vezes nem falava, preferia calar. Comportada. Quando contrariada, seu desabafo vinha num choro silencioso, resignado... só quando muito contrariada. Se a coisa fosse pouca, apenas calava, quase num desdém.

Todos os dias dedico algumas horas a sentir saudade. Não me dou ao luxo dessas sentimentalidades desenfreadas. escolho bem as horas...

É quando abro meus ouvidos e ouço o tempo rastejar por alguns segundos. Engulo a saliva com certa dificuldade. Um suspiro meio profundo e um movimento como de quem desperta e...

O dia é sempre um novo tempo com os mesmos velhos ritos.

carrego meu coração comigo. Meu coração não me carrega. Sem poesia essas duas frases ficam ridículas.

carrego o que sinto em mim e...

procuro não deixar que o que sinto me carregue. Se tudo me permitisse a isso, ainda assim eu...



Não creio andar por mim mesmo. 
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terça-feira, 14 de maio de 2013

sábado, 11 de maio de 2013

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Como numa dessas películas baratas,que contam estorinhas infantis, o meu sonho me mostrou um mistério: a casa da réstia era bem maior por dentro que por fora. Revelar um mistério é quase o mesmo que fazer um cego enxergar mas manter o feliz coitado com uma venda impossível de desamarrar lhe cobrindo os olhos.

Só o que importa é a réstia.

Nada mais é necessário além da réstia, a superfície sobre a qual ela rasteja, e o corpo do menino, que recebe em suas formas a reflexão furtiva da luz. Ah a luz, imprescindível para essa cena. Pensei em tantas formas de expressar a luz, que acabei por entender que a luz, num espetáculo, a luz de verdade, materializada enfim... é inexplicável, um arranjo cósmico para abrir os portões do sensorial, principalmente da visão presente, daquele que assiste a cena dentro do ambiente,  que recebe diretamente nas retinas a luz gerada ali, ao vivo, por alguma mente brilhante, que consegue não se deixar perceber.

Imperceptível numa cena bem feita, afinal a luz da cena extraída, por imitar a natureza em sua cena primordial e única, carece de ser sutil e silenciosa.

Então é aí que um outro elemento cósmico surge, como se vindo do nada, organizando-se desde o caos. não é de repente que a voz da luz, a alma da luz se mostra através dos sons. na verdade não é possível dizer o quê carece de quê. Todas as potências da cena são ancestrais, vindas diretamente da criação, únicas em si mesmas e ao mesmo tempo únicas em conjunto e harmonia.

Tenho sonhado sim, verdade. pra quem é carente de explicações pra tudo, devo dizer que sonhar de verdade é uma frase que diz algo perfeitamente possível a mim. estou construindo esse sonho aos poucos. o primeiro passo é a construção do lugar onde o sonho acontece. Pra isso tive que demolir paredes de minha casa e levantar outras. Por precisar de um escuro total, comecei a isolar a luz do dia. Luz do dia? Ora, não existe luz do dia, o que há é luz no dia. Isolar tal luz? tarefa impossível pros meus bolsos, a luz no dia insiste em atravessar as paredes. pensei em filmar de noite, mas então veio-me a maior das tentações e talvez a tentação mais apaixonante: a utilização da luz do sol como luz de um espetáculo. imaginem só, anos luz para chegar até aqui e fazer parte da cena, deixar-se modelar pelo autor. ah o sol, pai da réstia, tão imenso e tão simples.
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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Poema para sonhar com a chuva





Hoje eu me deixei a dormir ao som de chuva
curvar meus ouvidos aos ruídos das goteiras
e num supor que se alagava toda a rua
acabei sonhando que atravessava o pacífico

e eu que pude ver a face de três oceanos
resignado da contenda
apenas sonho seguro com o improvável feroz  remanso

Olá, velho medo das travessias!
Olá, pavor de ir ao fundo!

se logo acordo o relógio me enerva
se agora desperto
a chuva me segreda:
Sou o teu sonho, que molha o continente
teu oceano lúgubre
de pueril terror demente

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segunda-feira, 29 de abril de 2013


O filho da réstia

Eu tinha o domínio do sol, nas tardes sobre o assoalho limpo e encerado, enquanto no meu nada pra fazer eu esperava que aquela tranquilidade dos fins de dia nunca chegasse a um fim?

Certamente, eu dominava a réstia do sol, estampada no chão onde se espalhavam brinquedos inventados, ela me mostrava, em silêncio, todo o movimento do universo.

Quando a réstia ficava dourada eu sabia, os mangueirais poderiam me exibir um ouro nas folhas; eu não tinha tanta coisa a dizer sobre a beleza de tudo, muito menos sobre as possibilidades que só as janelas pareciam me mostrar, mas o sol me dizia isso tudo, com sua luz.

Muitas coisas eu poderia fazer nessas horas. Eu poderia esperar meu pai que me trazia vez ou outra um doce ou uma distração qualquer; eu poderia brincar na areia ao redor do velho castanheiro; eu poderia me sentar no banco, diante da escola de alfabetização, sozinho, conferindo os poucos carros que passavam sobre a avenida principal. Muitas coisas tão menos belas que o rosto do sol rastejando no chão...

Eu lembro de uma solidão pueril que eu sentia,como se esperasse algo que irrompesse de uma esquina distante: um disco voador; uma nave gigantesca a cair sobre a terra; um cometa vermelho; um milagre qualquer, maravilha maior que todas as maravilhas com as quais os meus olhos já estavam acostumados. 

Eu sem saber já enxergava o meu futuro. 

Sentadinho e quieto, eu enxergava o meu futuro...

Um rosto se revelaria nas réstia se eu me deixasse a entender seus planos. pequeno sol, era assim que eu a chamava, mudava de caminho quando mudavam as estações.

Todas as janelas através das quais eu fugi das inúmeras salas de minha vida também me revelavam o rosto de minha fortuna distante. 

É como se toda janela implorasse pelas asas que não temos, não ousamos ter.

Não há nenhum novo segredo nessas palavras que digo. Sinto apenas que o tempo passa.

Na minha infância eu  não entendia a réstia como um sinal do passar do tempo.

Eu via o seu rosto na réstia e nem sabia que era seu rosto que eu via. Ela não envelhecia nunca, ela revelava as nuvens que se aventuravam a passar por debaixo do sol. Já o seu rosto envelhece e passa, mesmo que o sorriso fique pra sempre quase o mesmo, com um quase mesmo brilho de luz solar.

Eu entendi que lhe amo quando ao seu lado eu me vi de novo naquele assoalho limpo, num final de tarde, brincando com o sinal de luz que o sol ao atravessar uma brecha no telhado, imprimia nas tábuas de ipê.

Eu entendi que lhe amo quando ao me deixar em minha tão característica solidão pueril de infância, que cresceu comigo, a sua essência,desde aqueles tempos já me era o colo que eu imaginava.

Hoje entendo o que escrevia no chão o sol.

Quando penso em você, eu entendo a linguagem do sol, do mesmo modo que eu entendia, nas tardes de meus poucos anos de vida.

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domingo, 28 de abril de 2013

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Mas, longe destas criaturas, há os que tocam os ouvidos dos deuses com os seus cânticos.

São as raras criaturas da lira, que na alma da música constroem encantos.

Esta cidade carece de tais seres.

Esta cidade carece da música decifrada por essas criaturas.

Eles não são músicos. eles não aprisionam o infinito numa série de combinações finitas e mecânicas.

Há uma transcendência neles e no que fazem, que palavras, todas as palavras, seriam insuficientes para descrever.

Essa rara arte da música ainda resiste nos recônditos tranquilos, onde as multidões não alcançam.

Artistas assim, que tornam os sons do cosmo uma linguagem divina, como todos os outros artistas de qualquer outra arte, não se contentam com a mera distração.

Como a lira de David acalmava o rei feroz. O bom artista dos sons pode acalmar os ímpetos cruéis da humanidade.

Um dia encontrarei uma dessas criaturas.

nesse dia direi que ouvi música.
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Em outros escritos já me pronunciei sobre os bobos da corte, sobre o modo como eles mais parecem prostitutas do inferno, farejadoras de níquel.

Não devo ter me expressado bem quando disse que as quero longe de mim.

A arte, que essas criaturas dizem ostentar, parece-me doentia, obsedada e prisioneira de uma espécie feia de vaidade. E há bela vaidade? No que entendo a vaidade proporciona o sonho do belo. A arte faz isso também. Mas sustento que a vaidade deles é doentia e feia.

O meu rompimento com os músicos desta cidade  talvez não seja definitivo. Eu seria injusto de generalizar toda uma classe de músicos. O problema, muitas vezes, não é a presença de um determinado tipo de músico, que pode até ser de boa linhagem. O problema está em quem ele carrega ao lado, uns vermes postiços difíceis de aturar. são uma turma, para com a qual, com o passar de quatro anos, adquiri um certo nojo, uma certa intransigência.

Talvez um dia eu acorde e já não queira mais detestar essa corja. Temo esse dia. Se eu acordar assim, na certa estarei me vendendo a eles. E assim, que puto me tornarei.

Portanto deixo um recado indireto. Que mais vale como um soco direto ao estomago:

Senhores e senhoras, bobos da corte, mantenham-se longe de mim.
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"Nunca é alto o preço a pagar pelo privilégio de pertencer 
a si mesmo"

(N)


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sábado, 27 de abril de 2013

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Configura-se o descanso. depois de três meses ininterruptos, começam a surgir os esperados setes dias de profundo descanso.

As unhas estão manchadas de tinta; as mãos estão finas. nos sete dias talvez eu nem cuide de mim, apenas me jogue, permitindo o sono.

O grande privilégio disso?
O grande prêmio disso?


É singelo, apenas o poder de escolha, o poder dizer não.

O trabalho não é pela grana.O trabalho tem que ser querido. Eis o único privilégio da arte feita no atelier.

O que poderia nos tirar a delícia do descanso de sete dias?

Supomos que nada.

Mas só supomos.

Sete dias vão passar rápido. Rápido demais.

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quinta-feira, 25 de abril de 2013

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O atelier não de repente se tornou a minha vida paralela. Ontem me vi curtindo o cheiro do verniz aplicado às paredes que remetem o visitante ao final dos 1900. Encostei-me  num canto e ouvi as vozes daquela casa. Minha pele está espalhada por essa casa. Dias em que minha respiração quase falhou em alegria; dias em que me vi mergulhado na mais absoluta tristeza, tudo ali. Eu lembro bem... de quase tudo, cada marca deixada nas paredes em todas as vezes em que as portas mudaram de lugar.

O atelier é minha casa, o lugar onde mora meu mundo.

As tais paredes com cheiro de verniz naval agora dividem ambientes reais. Do lado esquerdo a construção das coisas, a realização dos projetos. Do lado direito a sutileza e a tranquilidade da pintura e da escultura. Nas salas anteriores,os ambientes destinados aos projetos e pesquisas, mais tranquilos, com cortinas cor de vinho e janelões que trazem para dentro as luzes do dia.

Poucas pessoas já estiveram nesta casa,só as pessoas que amo.

Sempre costumo dizer que essa casa reflete o meu estado de espírito.

Nunca estive tão tranquilo, tão perto de uma serenidade...

Quando eu era criança, tive que participar de uma dança na qual duas conchas feitas com ouriço de côco serviam como instrumentos de percussão. Meu pai, no dia da estreia desembrulhou diante de mim o artefato que ele mesmo preparara. Quando lembro dessa cena, sinto o cheiro de verniz que lustrava as cascas de côco.

As alegrias estão escondidas de nós, como numa brincadeira nos assustam quando se revelam. Elas estão todas interligadas,um colar de contas estimado que se partiu e se espalhou pelo sobrado.

Quando me sinto feliz em meu atelier é porque sei que entre suas paredes se movimentam as imagens das criaturas que me fazem carecer da vida, que me fazem sentir a vida preciosa, pois é vivo que sei: elas moram em mim.

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sábado, 20 de abril de 2013

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http://www.youtube.com/watch?v=sX7fd8uQles



Os olhos da noite não são implacáveis. a noite sente sono, adormece

Ainda de olhos secos busco  tintas, busco cores, protegido com o avental de bordas pretas que você me deu.

Em minhas mãos repousam os pincéis; estou olhando para o branco que espera meu gesto. Um gesto que lhe crie um mundo novo.

o infinito está a um passo de nós, menina. Buscamos a perfeição impossível...

Ah se fosse possível não seria pefeita


Eu luto contra as farpas que restam na peça

eu torno-me aliado da vontade de jogar meu corpo em lençóis de algodão...

Tela branca. Mundo oco e desperdiçado .


Lençóis limpos de algodão do Cairo. Então ouço o sol estralando as folhagens do passaredo

ele cavalga tão rápido

em vão penso que posso fugir do nascimento do dia novo




O dia sempre encontra os corpos escondidos.



Dentro da alma mora o enigma. Alma é essa força que move a carne
Amor é a força que movimenta a alma.


Como mantenho firme o costume de me comportar sendo idiota, tarde dessas até chorei pensamento em besteiras desse tipo.  Nessas horas o ancestral que mora em quem me quer bem se manifesta e me indaga o que em mim não é o mesmo que fora ontem. Tudo, tudo em mim não é o que foi ontem...

Tudo em mim nada seria sem o que fui ontem.




Esse sentimento se parece muito com um caminho que me lembro de minha infância. Um caminho úmido que levava a um rio estreito que tinha cheiro de lama. O outro nome desse caminho era: Quase o rio.

Esse sentimento me lembra o arranjo de flores do campo que enfeitava a mesa de centro da casa de uma velha tia minha. Eles chamavam aquelas flores secas e mortas de sempre-vivas-do-campo.

esse sentimento me lembra o cheiro do atelier de meu avô. Um orgulho brota em mim: Há algo de ancestral nessa minha contenda.



A noite perdeu o sono.

A noite perdeu o senso.



a noite perdeu meus olhos fechados, perdeu meus sonhos, os mais lindo sonhos que tive. a noite não me quis dormindo nela. E meu sono vai chegar, eu sei, junto com o sol que corre pelo passaredo.


A noite desembocou no dia. A noite se perdeu sem sono.

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sexta-feira, 19 de abril de 2013

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Num sorriso pirilampo é capaz de me devolver a tranquilidade. Por vezes pego-me a buscar seu rosto sorridente por saber que nessa imagem repousa a minha paz.

Nos meses de abril de todos esses treze anos tenho pensado nos detalhes daquela hora, em que ela num grito lancinante nascia para me dizer que minha vida ganhara outra vida.

como não ter o coração tomado por ela quando ela me sorri?
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quinta-feira, 11 de abril de 2013

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Ninguém morreu, estão todos vivos?

A lição é não rugir para quem dorme. O passo errado encontra o erro no caminhante. "Eu deveria ter mudado o rumo".

Ele não podia dormir naquela noite. Estivera perto demais de um corpo nu que não era o seu. Perto demais de estar dentro.

Sentiu-se excitado e na excitação pôde ter perdido muito de sua racionalidade. Perdendo a racionalidade perdia a candura de seus pensamentos; perdia sua vigília; afastava-se da criatura planejada que era.

Ela disse não e ele recuou, ruborizado,como um menino branco flagrado a cometer desaforos. 

Um buraco na vida se formaria se aquela noite  não fosse uma noite de duas criaturas.

no caminho de volta a tempestade de sensações aplacaria uma culpa. Não deveríamos habitar estes corpos. Deveríamos não precisar dessa embalagem. "Ora porra, somos mesmo uma merda de garrafa PET".

"Uma merda de uma garrafa PET!".

jogue-se líquida um pouco dentro de mim. Preencha-me um pouco até que eu vire lixo. Não rugir para quem dorme. essas frtases sem sentido ficavam pulsando no seu juízo.

Então ele abriu uma lata de coca. Ficou ali com a mão na cintura olhando para a cidade através da janela. Um pecado grave sempre é lembrado com uma expressão rotineira: Eu não deveria.

Então o telefone toca. Ela. A mesma voz insegura. "Tudo bem?" Ele indaga um pouco nervoso. "Sim", ela emite um som de quem está rindo. "Estou deitada já. Nossa noite foi estranha hoje, mas gostei". 

"Gostou?"

"A gente vai se ver amanhã?"

A mesma excitação percorre seu corpo. O mesmo ímpeto irracional de outrora.


a lata de coca está aberta sobre o parapeito. Latas de coca não são como garrafas PET.
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terça-feira, 9 de abril de 2013

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Vejam a maravilha que é o silêncio no atelier.

há dias estamos construindo algo e mal nos falamos. nossa conversa é com a linguagem de nossa arte. Nossas almas estão unidas em busca de um jeito de dizer que as flores do universo não são outras senão as mesmas de nossos quintais.

estamos juntos pois nos encontramos neste lugar que escolhemos. antes eu costumava dar um nome a estas paragens, agora sei que o atelier é simplesmente o atelier. é nossas gargantes acalmadas, nossos corpos em outro estágio. Passamos do primeiro momento, onde um calor nos impelia aos braços e aos gemidos. Neste momento, a plenitude ainda não foi alcançada, estamos ao meio da escalada, mas já de perto o cume se forma e a terra dos homens é a terra dos homens.

há heróis nessa vida torta.

há deuses quando a vida toma o rumo.

perseverar é um gesto que se guarda no coração do forte. 

Criadores de novos mundos. nem nada precisamos falar. temos um plano de ficar tranquilos, de nada um do outro possuirmos. talvez assim uma liberdade venha e se deite no colo de nossa alma. quando isso acontecer, saberei bem o que é salvação.

Então abrirei a boca entre sorrisos e direi em seus ouvidos, direi que sua existência me salvou.

Mas agora ela se dedica a dar forma a folhas longilíneas.Meu momento de reflexão a observá-la trabalhando dura o momento entre uma pincelada e outra. Logo volto ao mundo que estamos juntos criando. É nele que nossas vidas agora se sustentam. É com ele que faremos as crianças do mundo real sorrirem.
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segunda-feira, 8 de abril de 2013

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Uma doença súbita acautelou-me contra estes sujeitos. Os músicos destas terras são as más donzelas de um arranjo político que é programado para iludir.


Declaro inimiga esta turba desleal e vendável, usurpadora, corrupta. Algo deles me contaminou a tal ponto que nem sinto mais as pontas de meus dedos. Tão facilmente se vendem por ninharias... 


nenhuma alma vejo no que fazem estes pobres diabos. Se eu fosse rico, lhes pagaria um cachê triplo para que silenciassem.

Quero ouvir a música divina, eu diria.Não façam ruídos, seus ruídos incomodam o que é divino. seus ruídos sãos como os falsos gemidos de uma prostituta, que geme por níqueis raros.

Doravante, até que o ranço acabe e estes músicos libertem a música de suas almas obsedadas, cada um destes  mortosvivos será um inimigo. Antes que comam meu cérebro lhes cortarei as cabeças, ou simplesmente lhes  taparei meus ouvidos.

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domingo, 7 de abril de 2013

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Não me sobrou nenhum grito ao divino. nenhum pedido: "torne-me melhor".

Mil defeitos eu tenho. Mil erros cometi e cometo a cada instante. Em cada instante aprendo e esqueço, erro novamente, digo que não mereço a pena, digo que sou um pobre coitado e logo em seguida ergo o queixo e ostento a maior empáfia do mundo.

Mas quando estou dentro de um sorriso, sinto o amor de alguém que se jogou semente por aqui.

"Eu nunca fui santo. Nunca saberei o que é ser santo. Só quero um deus que me livre da hipocrisia. Que não me permita felicidade sabendo que outros poderiam estar condenados; que não me faça nunca eu me sentir eleito enquanto há outros tantos renegados".

deus me livre desse deus maldito.

deus me livre de si mesmo

Não quero nem saber de ser bom. Só quero viver bem..

Nem que viver seja somente respirar. Então que eu respire bem.
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sábado, 30 de março de 2013

ALELUIA

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Depois de dedicar horas a tentar desenvolver uma estufa capaz de secar as esculturas nestes dias de chuvas e umidade sem fim, o resultado positivo deixou-me mais leve.

O ar puro mais respirável para mim é o ar de um atelier em funcionamento, com inúmeras formas inacabadas e superfícies revelando cores indefinidas. Soa-me o atelier assim como um útero.

Minha pressa e inventividade são equilibradas pela paciência eficiente de Nívia. Ela é um tipo especial de ser humano que não se contorce em acordos e convenções e ainda assim é tenaz como um junco. É inteligente a ponto de brincar ao me dar respostas furtivas. É como se ela soubesse que carrega uma luz que preciso. Sem Nívia, eu tropeçaria dezenas de vezes antes de chegar aos meus fins.

Vez ou outra desabafo alguma coisa. Ontem eu soube que mais alguém próximo a mim está a morrer de câncer. Pelo que eu me lembre, a sétima vítima ao meu redor, dessa doença. É como se o demônio em forma de caranguejo andasse o tempo todo sob nossa sombra.Como o desenrolar dessa doença mais uma vez se fará diante dos olhos de Aísha, isso me preocupa. Não gosto de imaginar o espírito de minha filha diante dessas desfortunas mórbidas.

No mais, essa felicidade em ver o atelier cheio de esculturas e criações me faz lembrar de um tempo em que andei buscando por essa vontade e fé na capacidade humana de criar, de tocar os semelhantes com sua arte, com o seu modo de ver o divino.

Busquei por esse reencontro tantas vezes e errei tantas vezes o caminho, que de mim, de em mim restasse uma vontade para isso, poderia sair um livro de mil páginas.

Posso lhe dizer que se estou escrevendo é por estar num nível de vida intenso. Recuperado do vale da sede. Pelo que posso confessar, andei escrevendo pelos motivos errados; andei pelo inferno a tentar resgatar demônios perdidos. A volta deixou-me tão cheio de queimaduras que levei um bom tempo para entender que as cicatrizes se transformaram em minha nova pele. Olhe só pra minha cara agora...

Não sou tão mesquinho a ponto de medir o mundo desde minha felicidade. Conheço muitos que fazem isso e bancam os tolos a dizer que estão felizes. Eu ainda não fui feliz. julguei muitas vezes estar tão perto disso que nem me dei conta de que a felicidade é um ideal do tamanho de um universo.


Mas sou pretensioso.

Sempre fui pretensioso.


Não é que eu veja no atelier e na arte a salvação do mundo. O que eu vejo ali é minha salvação.



Tenho que falar sobre o contato que tive com estudantes das escolas públicas. Foi impressionante. Lembrei de um cara idiota que certa vez me falou que em escolas públicas só há pequenas putas e patifes que só querem foder. Eu e Nívia estivemos entre essas crianças; elas não são escolhidas pelo comprimento dos seus dedos; elas estão ali jogadas quase ao acaso. Deram-me uma sensação que há muito eu não sentia: esperança.

Mas não vou falar sobre isso agora. Haverá tempo. estou ansioso para medir os resultados da nova estufa do atelier, que seca em minutos as esculturas que levariam dias para secar ao ar livre.

Os cristãos chamam este sábado de sábado de aleluia. Há algo nisso com a espera. Os discípulos esperam o cumprimento da promessa do mestre.

Penso com isso num ditado de TAO que diz;

Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece.

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