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O atelier não de repente se tornou a minha vida paralela. Ontem me vi curtindo o cheiro do verniz aplicado às paredes que remetem o visitante ao final dos 1900. Encostei-me num canto e ouvi as vozes daquela casa. Minha pele está espalhada por essa casa. Dias em que minha respiração quase falhou em alegria; dias em que me vi mergulhado na mais absoluta tristeza, tudo ali. Eu lembro bem... de quase tudo, cada marca deixada nas paredes em todas as vezes em que as portas mudaram de lugar.
O atelier é minha casa, o lugar onde mora meu mundo.
As tais paredes com cheiro de verniz naval agora dividem ambientes reais. Do lado esquerdo a construção das coisas, a realização dos projetos. Do lado direito a sutileza e a tranquilidade da pintura e da escultura. Nas salas anteriores,os ambientes destinados aos projetos e pesquisas, mais tranquilos, com cortinas cor de vinho e janelões que trazem para dentro as luzes do dia.
Poucas pessoas já estiveram nesta casa,só as pessoas que amo.
Sempre costumo dizer que essa casa reflete o meu estado de espírito.
Nunca estive tão tranquilo, tão perto de uma serenidade...
Quando eu era criança, tive que participar de uma dança na qual duas conchas feitas com ouriço de côco serviam como instrumentos de percussão. Meu pai, no dia da estreia desembrulhou diante de mim o artefato que ele mesmo preparara. Quando lembro dessa cena, sinto o cheiro de verniz que lustrava as cascas de côco.
As alegrias estão escondidas de nós, como numa brincadeira nos assustam quando se revelam. Elas estão todas interligadas,um colar de contas estimado que se partiu e se espalhou pelo sobrado.
Quando me sinto feliz em meu atelier é porque sei que entre suas paredes se movimentam as imagens das criaturas que me fazem carecer da vida, que me fazem sentir a vida preciosa, pois é vivo que sei: elas moram em mim.
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