sexta-feira, 27 de agosto de 2010

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AOS MEROS CURIOSOS...

AOS QUE NÃO VIVEM MERGULHADOS NO TEATRO...

AOS HIPÓCRITAS...

Dedico isso que chamam de lamentação. Veja o que é a vida. Veja... eu tenho certeza de que lamentam também os antepassados que fundaram aqui onde estamos a primeira pedra. Eles são como uma torcida entristecida que vê seu time se deixar vencer por conformação e em troca de grana.

Celso Martinez agrediu a hipocrisia dos pais de família desta cidade? Eles, estes homens respeitosos são os mesmos que outrora se deliciavam com a imagem em movimento de uma ?criança de dez anos felando seu colega de escola?

O que seria vergonhoso para esta cidade? o que seria imoral para esta cidade senão seu próprio povo?

Homens emoldurados por televisores se esbanjam em mostrar virulências, vestidos em ternos baratos, com suas orelhas de topo gigio. Dizem os livros antigos que a violência seria fetiche de fé aos deuses. Mas esta violência que praticam aqui não é admirada a não ser por demônios demasiado submundanos. E ainda assim, mesmo padecentes de tanta condenação e degeneração, estas criaturas levantam a voz e apontam os dedos e julgam o que supôem imoralidade.

Nesta terra maldita, muitos são os que julgam. Em terras malditas há muitos juízes. Os julgadores aqui, no mais das vezes, mostram-se tão incompletos, que nem mesmo seu modo de falar é claro aos que se permitem ouví-los. Assim, desentendidos, os incapazes, esperam o momento oportuno para mudar de grosso modo a cor da bandeira que até há pouco portavam. Esperam apenas alcançar notoriedade. Camaleões bizarros. Poderiam fazer qualquer coisa por aplausos e bom posto. Poderiam se negar a fazer o muito simples para manter sua pequena fama de complicadamente complicados, sua representação, sua falsidade, seu caráter diluído e rasteiro, como o caráter de criaturas da lama.

Hipocrisia talvez seja muito divertida de se ver florescer em alguém. Talvez o hipócrita seja muito mais engraçado que o mais atabalhoado polichinelo. O hipócrita é um vigia de sua própria vida. Tenta ele a todo custo não se desvencilhar de sua representação, e essa tentativa de se agarrar à unhas gera nos mansos um riso, nos sábios uma candura, na turba a mais banguela gargalhada de escárnio.

Se a questão da homossexualidade chegou a esse nível de discussão, onde é que estávamos? Nossos ouvidos, os ouvidos da civilização ocidental, os ouvidos de nossos deuses ritmistas, os ouvidos de nossos doutores da moral, estavam todos cerrados?

Ah se fosse mesmo o corpo esse ideal perfeito de união com o que não é corpo!

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Espetáculo!

Foi isso que vi em BACANTES.

Exagero, foi o que vi em BANQUETE.

Mas o que importa é que tive a graça de presenciar uma vaga sugestão de como fomos.

E sem esquecer que houve um tempo em que o derramamento de sangue nas arenas atraia multidões. Os gladiadores ali no centro a se golpearem falicamente excitados...

então o apelo erótico não podia nem na violência se perder.

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E quem seria esta a cidade a condenar qualquer exagero?

Melhor seria que esta cidade se assumisse como uma cidade bárbara de extremos como qualquer Gomorra que se preze. Onde os ciclos de conversa ainda se prendem à posse, à carne e à lascívia. Onde quem trabalha não se importa com sua própria honra, e bem pior que as putas do mais miserável puteiro, se vendem por tão pouco. Onde ainda e por muito tempo se vestirá a máscara de donzela para disfarçar a imundície que há em sua mente?

Tudo isso eu via ali naquela demonstração dionisíaca da orgia.

As vaias no início do espetáculo para a adminisração que aí está eram as vaias para a beata matrona que se descobre nua na praça central, fornicando por dinheiro e se rendendo aos pecados nos quais outrora atirara pedras. Uma administração de putas. Putas enferidadas que se acautelam vez ou outra por suspeitarem que no meio das multidões há olhos que conseguem de fato decifrar o que representam. que enxergam claramente suas pústulas.

Se CELSO MARTINEZ desse uma volta pelos nossos teatros. Se pudesse vislumbrar a orgia nojenta que por aqui os “artistas nomeados” articulam, sentiria-se modesto e casto. Seu espetáculo de despudor seria tão pouco chocante, que tenho certeza, ele tomaria um microfone e gritaria algo para essa corja.

Tomem no cu os que pleiteiam pautas nos teatros, a se dizer vítimas de um sistema seletista, mas que no final das contas não se prepraram, não ocupam os espaços disponíveis e só sabem ficar no choro ridículo.Gente creptada e imunda. Técnicos que se vendem por ninharia, que não trabalham com honra e ainda ainda se fingem tementes aos deuses das artes. Sonplastas incapazes de ouvir os próprios peidos. Atores que se enfeitiçam de pretensão a ponto de esquecer de atuar e falam a ponto de não serem entendidos pela platéia. Administradores, cantores, diretores que nada cantam, administram ou dirigem a não ser a própria picaretagem. Pintores , escultores, cenógrafos, enfim, uma ramada inteira de demência que levou à ruína as tentativas ascendentes de gerações passadas. Uma corja que nos apodreceu como apodrecem os leprosos.

Gente que não reage por não ter como reagir.

Por morrer de preguiça e se esmerar em incompetências.

Imundo e vil não é o teatro do OFICINA. Entre quatro paredes, sem essa máscara de alvenaria e sem a ostentação furtada por mentiras, subsiste uma sociedade muito sacaninha. Vermes de esquerda e de direita, pedófilos, viciados, assassinos, que se amontoam numa orgia mesquinha, pequena e indecente, meramente mortal.

E quem é o PARAENSE para falar de algo que choque? Não é esta a terra da vergonha? uma terra que nas notícias nacionais só mostra que não presta!

Não seria isto que o teatro local deveria revelar? Que aqui é um celeiro onde mora a vergonha? que aqui seria um lugar onde dorme a redenção?

Ah não. Os nossos artistas estão ocupados demais com o BELO idealizado pelo poder que adoram e que os aprisiona. querem ser brancos. Nossos músicos evangélicos nada dizem porque não querem ir para o inferno, dizer com o que fazem seria lhes contradizer. Eles chamam de benção o dinheiro que ganham roubando da arte o que deveria ser público. Danados! Deveria haver uma lei na qual adoradores de deuses estrangeiros fossem considerados adoradores de deuses estrangeiros. músicos evangélicos deveriam tocar em palcos para o seu Deus judeu e não aqui, na casa da liberdade. Como poderia haver exegese com essa música automática e sem fé, que fazem? Como poderia haver amor a essa pretensiosa beleza que lhes soa como o portal da geena? Vejam só o que ganham: uma platéia vazia. Não poderia haver maior vergonha: se vender ao cézar em troca de migalhas.

Vejam essa corja. Eles se reúnem, se defendem. Trocam favores entre si. Fazem espetáculos muito ruins para parentes e ainda assim se julgam capazes de se julgar. Vejam as nossas fundações culturais, nossos institutos,, soltando soldos para conhecidos, burlando oficinas para descolar um troco, sustentando um pequeno grupo de mediocres. Distribuindo cargos a incompetentes que não trabalham e nem amam o que deveriam amar.

HIPÓCRITAS!

HIPÓCRITAS!

Sei que gostaria do poder, para exterminar com armas de brinquedo os que insistem em contaminar com seus preconceitos pequenos tudo o que tocam. E ainda assim na entrada desse espetáculo não haveria a placa preventiva dos iniciados que costuma dizer aos mais astutos: “SE ESTÁS SOMENTE CURIOSO, AQUI NÃO ÉS BEM VINDO”. "SE NÃO QUERES TE SUJAR DE TINTA NEM VÊM".

Se soubessem onde pisam nem teriam pés.

Se soubessem que possuem pés, rastejariam.

não se acautelem, aqui é uma casa de permissões ensaiadas.

aqui a dor é verdade mas não dói.

aqui o tesão é verdadeiro mas não há cópula nem ereção.

aqui o que é, não é.

aqui o que não é, é.

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Mantenham-se contentes com a merda na qual vivem, meus caros. A velhice não tarda e a morte é um bom conselheiro para dizer que... meu caro...

Meu caro...

...Você acaba de perder uma grande oportunidade de viver.

Quando o teatro toma alguém pelas mãos é como a vida que toma o que antes não tinha ânimo.

Posso dizer afinal:

Asqueroso é o espetáculo dirigido que nesta cidade acontece fora dos palcos, nos nichos palacianos e nas mesas de bar. onde meia duzia de moleques se arquiteta, onde a malta prepara o suborno, onde a malandragem deturpa a cena.

Há os que fazem teatro em sua casa, na rua, nos sinais de trânsito... em qualquer lugar.

Há também os que fazem teatro em prédios construídos para teatro...

O desdém de quem está administrando este estado para com estes espaços é o que me deixa envergonhado e agredido.

Ficar nu é muito pouco do que se poderia fazer contra isso tudo. o menos certo é fazer o que acreditamos ser sublime.

assim, alguns rezam ou oram...

outros vivem.

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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

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devo uma fala ao aparecimento por aqui de CELSO MARTINEZ.
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Quem é o ladrão? Quem é aquele que entra sorrateiro pela janela e toma aquilo que julgavas teu?

“Muitas coisas boas te acontecerão, o que percebes agora não é nem sombra do que está por vir”, disse num andrajo lilás. Era assim macia a voz dissimulada que por não sei por que cargas dágua julguei ser tudo, até um sonho, menos o mal. Logo eu, porventura genética a criatura mais desconfiada e arredia da colônia... repito a indagação: quem é aquele que entra sorrateiro e rouba o que aparentemente se guardava seguramente dentro da tua casa?” ouço os sinetes do leiteiro e os anúncios violentos das manchetes do vendedor do Diário. Ah que pareço viver mesmo isso de profecias dia após dia, como se os fatos mostrassem conexões perfeitas entre si. Como se cada dia fosse mesmo o que dizem os sacerdotes, o prenúncio do dia seguinte. Uma interminável relação de coisas que só me joga na cara os meus erros.

“fica quieto, que nada te acontece”.

Eis a consequência dos MEUS erros. Despertar a cobiça alheia é desmentir o que acredito?

Da primeira vez foi na 28 de setembro, diante dos olhos das bichas e putas perto do canal. Na segunda, havia um calibre 38 apontado direto para minha cara, eu estava só, tinha acabado de sair da agência bancária. Apareceram do nada enquanto eu desatrelava a bicicleta da placa de PROIBIDO ESTACIONAR, quase na esquina da magno de Araújo. Na terceira vez entraram em casa, levaram algumas das ferramentas do ateliê, deixaram o besouro, o vioino e a plaina, mas carregaram o jogo de brocas e a Jig Saw. Na quarta vez foi enquanto eu acompanhava o cortejo do arraial do pavulagem, abriram minha mochila e cataram o dinheiro com o qual eu almoçaria com a namorada. Na quinta vez, novamente em casa, levaram o violino e a mochila Wilson com tudo o que ela suportava carregar. E agora, a sexta vez, levaram tudo o que poderiam vender, deixaram o atelier sem nenhuma ferramenta, além de revirar e destruir o que sobrou.

Esta é uma cidade de ladrões que se empoleirou em minha psique e dela mais não sai? Não mesmo, ser roubado assim materialmente é fichinha. Já estive muito pior baby. Já estive com sede no fundo do poço. “Transformado até a alma”. Eu arranhava meus olhos e apertava meus dentes. Escondido num beco escuro estava o capturador de minha paz. Tinha os olhos meigos e o rosto de um anjo. Segurou minha mão na travessia e a soltou quando eu já nem podia mais flutuar. Fundo do poço, o lugar do nunca fui. Onde, naquelas horas, os meus pés se prenderam? Quando comecei a me debater para não me afogar? Tarde demais. Morri. Fiquei morto por muitos dias. Cadavérico, tornei-me o alvo predileto dos salteadores que veêm o mundo das esquinas onde se amontoam. Ninguém melhor que eles para pressentir almas adoecidas e sem vigilância alguma. Eles não roubam as coisas que carregas, eles roubam tua vontade de estar aqui. Estes sim são os verdadeiros ladrões.

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O roubo está em toda parte. Até mesmo onde nos julgamos intactos.

Feliz foi o tempo em que ficávamos postados à porta da sala com um sorriso vistoso e uma postura saudável, com nossas camisetas novas com cheiro de tinta para tecido acrilex. Naqueles dias desejávamos “BOM ESPETÁCULO” para quem atravessasse a porta cinza. Trabalhávamos sorrindo e orgulhosos por estarmos ali. Quando veio o ladrão e nos tomou? Veja-nos agora. Andamos pelas sombras como quem se esconde de um crime, o crime de somente estarmos ali, o crime de somente sentirmos vergonha por sermos impotentes e incapazes de ordenar o puteiro. Vergonha por termos nos deixado à fraqueza de permanecer em silencio, inertes , enquanto nos sugam a dignidade.

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Moça hoje me segurou quando viu meu ferimento? Sim, quando me viu sem ação ali no meio de toda aquela merda. O VERMELHO E O NEGRO estava jogado ao lado de uma das bonecas de Luna; alguns escritos se espalhavam pelo chão da cozinha misturados ao lixo imundo sobra as lajotas verdes que cobrem a parte mais antiga da casa. Pensei que o ladrão jamais pudesse ter lido algum dos volumes que amarfanhou, talvez por isso tenha deixado intacto o dicionário bilingue que me custou o olho da cara. Percebemos que ele brincou com um dos mamulengos e levou um outro, espalhou pela casa as roldanas da nossa maquete do teatro, que por sorte não foi quebrada ao meio. Percebi o volume de Sun Tzu aberto na página onde se escreve a voz de Mei Yaochen: “os inimigos não podem exaurir-te”.

Ah mas eu estava exaurido quando ouvi o portão ranger. Por sorte ela entrou com sua camiseta vermelha dos Fuscas e me abraçou. E com isso pude recuperar o fôlego. Um dia eu predisse não querer perdê-la, algo me dizia que viriam as horas dos sinais que a revelariam: o mal agoniza onde renasce o bem, e vice-versa. E eu que estava morto pois nada sentia, agora agredido, vejo o que a dor me mostra: estou sobremaneira vivo e ela me abraça. A dor sempre mostra a esperança.

Apesar de tudo, não desistir.

Apesar de tudo...

Não, nunca, desistir.

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Tico foi morto com cinco tiros na cabeça, eu disse a ela.

Caso eu não tenha ainda falado dessa criatura de nome bissilábico, perdão. Fico na dívida de tal informação.

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quinta-feira, 5 de agosto de 2010, 09:29

Acabo de voltar da farmácia. Acordei sim com uma dor de cabeça em potencial, tensão na região da nuca, náusea, e sensibilidade à claridade. Prenuncio de dor crescente, melhor dar logo um jeito nisso.

Depois da invasão da casa, resolvi doar à vizinhança todas as coisas que restaram, exceto algumas de uso muito pessoal. O que sobrou foi um lugar amplo para morar, amplo e confortável. Então eu acordei hoje nesse lugar amplo e ventilado e fiquei contente por não ter lá dentro comigo quase nada mais escondido. Era como se fosse possível deixar que as paredes da casa ficassem transparentes e mesmo assim, quem passasse lá fora, não cobiçaria nada mais (quem sabe) que o meu bom sono sobre um colchão inflável. Aliás, é bom que se diga: os ladrões tinham bom coração por não tê-lo furado, ou eram muito ignorantes a ponto de não saberem esvaziá-lo. O fato é que o deixaram no lugar e isso me deixou contente.

Vesti uma das calças de tactel e uma camiseta. Calcei a sandália azul. Antes cumpri o ritual de varrer a casa antes de sair, coloquei no lugar as coisas fora de lugar, como por exemplo o livro autobiográfico de Sadat, que nunca consigo ler na íntegra. Dei uma última olhada pelo ambiente e escolhi umas moedas que juntas somavam dois reais e quarenta centavos, minha última grana. Coloquei as moedas, como de costume, no bolso direito,mas as chaves da casa pareciam ter desaparecido, elas já deveriam estar no bolso direito antes de qualquer coisa, mas onde poderiam estar? Refiz o meu caminho e as descobri no estojo do violino (é, os ladrões não levaram o estojo, então agora o utilizo como portaníquel e também para guardar os óculos e notas fiscais da reconstrução). Estava tudo ali. Seria hora então da parte mais difícil, sair de casa e enfrentar o dia comum.

No caminho encontro as pessoas simples da periferia, uma espécie de idade média na qual mergulho com os olhos atentos. Uma idade média cronologicamente deslocada e que se manifesta ao mesmo tempo do agora, o tempo dos cybers, dos condomínios de alto luxo e das comunicações imediatas entre humanos vazios. Muitos andam nus sem camisa, usam velhas bicicletas, velhas mulas de outrora, e me parecem sempre muito ativos e tranquilos.

Ouço ao longe uma voz que não me é desconhecida. Uma voz que me remete a uma desolação estranha, que me faz lembrar de coisas incompletas. Então eu me recordei de uma frase que vi num trailler: “Você não sabe o que é a vida até que a veja pelos olhos de terceiros”.

Enquanto caminhava até meu destino, mantive-me consciente de minha respiração. Jamais esqueça de respirar. Tem consciência que a cada vez que o pulmão se enche de ar é mais um segundo que vives? (...)

A voz desconhecida é a de uma mulher que faz promessas. Está rodeada por câmeras e o que diz não é para as pessoas simples, para estas ela apenas representa. Ela diz coisas pra mim, que posso entender cada gesto que faz. Quem diria, que ela estaria aqui no meio dessa gente fedorenta. Promete mais carros de polícia, promete mais segurança. Grita indagando o desejo dos que ali estão. Apenas seus partidários vestidos de vermelho mostram acreditar no que ela diz.batem palmas e balançam bandeiras Um homem vendedor de carnes xinga alguma coisa dizendo que o posto de saúde local está entregue às baratas. Eu sinto vergonha pelo papel que ela faz. Sei bem quem ela é, quem são suas pessoas de confiança, e do que não são capazes de fazer. Entro na farmácia e compro alguns comprimidos. Demoro um pouco a ser atendido. As pessoas da periferia, os “ZOHGS”, costumam entrar num local sem se anunciar repentinamente dizendo ou pedindo algo, interrompendo uma conversa, um atendimento. Pouco cumprimentam, pouco desejam um bom dia. Mas não fazem por mal. Aqui não há tanto espaço para polidez. por isso que demoro a ser atendido. Não posso perder a paciência. Eu não a perco. “eu sou a paciência”.

Saio da farmácia com o remédio para dor de cabeça. Sobre a rua esburacada, mulher de boca torta continua a fazer promessas. Parece estar trocando asfaltamento de vias por votos. Vergonhoso para seu partido, que lutava pela conscientização. Tive um ímpeto de axincalhar aquilo. Como diria um pobre conhecido meu: “se eu quiser eu acabo com isso. Eu tenho autoridade para acabar com isso”. Detive-me por covardia racional. Ela um dia terá a resposta que precisa? Eu já tenho a minha a respeito de quase tudo o que ela diz.

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Três horas da madrugada. Abro os olhos e vejo uma formiga carregando algo. Não há lugar nenhum para onde ela possa ir. Está completamente só e desorientada. No entanto, em momento algum ela larga seu fardo.

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sábado, 7 de agosto de 2010, 10:15

o irmão do Tico bateu à minha porta ontem. Estava completamente bêbabo. Pediu-me dez reais. Eu falei que não os tinha naquele momento e que só teria dinheiro na próxima semana. Olhou bem dentro dos meus olhos, ensaiou um choro, queixou-se pela morte do irmão e foi-se embora. Apiedei-me dele. Lembrei-me de quando também morreu perto de mim alguém que muito bem eu queria. Sim, ele estava bêbado, caindo de bêbado. O choro que ensaiou não parecia ser de muita sinceridade. Os zohgs são criaturas de coração endurecido, mas nem por isso totalmente vazias.

Ontem caiu uma forte chuva e pude ver quais goteiras restaram. Devo enxaguar as roupas que estão de molho desde ontem. Ouço RADIO HEAD. Os sons da vizinhança invadem a casa. Não tenho mais nehuma comida reservada. Não me resta dinheiro algum. Como estou sem bicicleta aqui, sinto-me preso.

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Esperança

Sempre me vem essa idéia à mente.

Praticar as tarefas do dia com automatismo mágico e assim... viajar pelo mundo sem arrastar sandália alguma.

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18:16

Recebi meu celular de volta. Nívia disse que o encontraram dentro da van da fundação.

Tenho a impressão que os telefones celulares arruinam um pouco essa precisão de estar sozinho.

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O ventilador está apontado em minha direção. é um luxo que eu não deveria ter. eu deveria deixar meu corpo em costume com o clima que me rodeia. Dimminuir as roupas é mais natural que tentar mudar o clima. Não consumir tanta energia elétrica em nome de um conforto estúpido e antinatural é mínimo que se poderia fazer pela grande mãe.

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Não sei se poderiei suportar a falta do violino. Música, é para mim como orar, enlevar (verzücken) meus olhos para o indizível. Sinto um grande vazio por largos momentos. Fico a olhar através da janela sem ter como dizer o que eu sinto que deveria dizer.

Dediquei dez anos de minha vida ao estudo desse instrumento. Ele é como parte de meu corpo agora, e se estou sem ele, é como se tivessem arrancado de mim um dos braços.

Nunca parei para escrever uma música. Jamais me deixei contaminar por sede pequena de ser aplaudido. São tão superficiais os músicos que conheço. São como relógios à corda, que funcionam de acordo com o que lhes é dado. Esses músicos não fazem música, apenas executam um arranjo.

Meu celular voltou a me dar alarmes. São 18:30, hora de tomar banho com uriza. Eu deveria usar água morna para isso, mas ainda estou sem ter como aquecer água. Não se trata de um banho de crente. É apenas um banho com uma erva cheirosa, que faz parte da natureza e que possui um perfume que me acalma.

Depois do banho devo me dirigir ao teatro onde vou assistir “O DESCOBRIMENTO DA AMÉRICA".

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O ladrão nada me roubou. Se levou alguns objetos de valor, deixou-me a vontade de me equilibrar ainda mais a ponto de querer viver livre de qualquer necessidade temporária, para abraçar aquilo que não se pode furtar.

17 de agosto de 2010, 21:22

Mal posso reconhecer a casa agora. As paredes mudaram de fisionomia e instaurou-se um tempo de conforto e calma. As paredes estão brancas e no piso nenhum grão de poeira perceptível ao tato das palmas dos pés.

Recebi há pouco o telefonema de minha irmã mais velha e não pude atendê-la. Talvez por estar em sono profundo quando me ligou... não posso dizer que de minha gente sinto falta. Que minha gente? Quem é minha gente? Nada possuo aqui neste lugar. Tudo o que se diz possuir é por vaidade ou fuga miserável. Não tenho gente. Há gente ao meu redor, gente qualificada, nomeada, catalogada e subdividida. A mais velha filha vinda de minha mãe, a irmã, envelheceu mais que podia e está nos tempos de suspirar pelo que não conquistou, dando de ombros, desdenhando das conquistas de outros. Dentre suas queixas está a de nada possuir, a de nada ter acumulado. Nem mesmo um filho dela se pariu. Nem sequer um feito memorável, ou conquista alguma para seu tempo. Passa por este mundo como uma sombra da qual não se pode ver o corpo. Resultado de luz vinda de outra direção. Foi ela quem segurou minha mão quando aprendi que entes morrem e vão embora pra sempre. Foi ela quem me ensinou a dizer adeus aos outrora vivos. Dela não sinto falta. Logo eu que nasci com a habilidade de me afastar dos que amo sou incapaz de sentir falta de quem esteve ao meu lado enquanto eu crescia.

O que quer essa irmã? Algo acontece com a velha mulher que pôs ao mundo? doente? O telefone está ao meu alcance. Procuro por um nome na lista de contatos e aperto a tecla verde... erro de conexão.

o calundu deveria passar agora. recomeço.


fodam-se.

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sábado, 21 de agosto de 2010

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"A pior servidão de que o homem pode ser vítima é a voluntária, à qual se entrega para não ter que decidir momento a momento ou assumir as suas novas posições, cedendo ao esquema pronto." (Vassil Grossman)
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