quinta-feira, 30 de junho de 2011

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como quem tenta agarrar a água. como quem fracassa com isso. como quem diz que palavras são somente palavras...

ela abriu a porta, entrou e se debruçou no sofá. tornou-se tão pensativa que se ninguém no mundo lhe dirigisse a palavra ficaria com isso em descanso e tranquilidade pelo dia inteirinho.

quando o carinha deitado no leito abriu os olhos ela o recebeu sem saber sorrir. há quem não saiba sorrir durante um espanto.

há muitos fios brancos aí...


nenhum sorriso. a vista depois de tanta analgesia não poderia decifrar o que, direito, os olhos viam.

a visita seria da alegria ou por conta do certificado de partida?

é que só com isso descobri alguma pista.

grande coisa, agora, tudo o que se cheira aqui me causa ânsia. nem o perfume que mais gostei na vida...

mas...

todos chegam a isso um dia... todos precisam ir embora, em boa hora.

nunca há essa boa hora. todas as crenças são máscaras, fantasias... quer saber? nada mesmo há a não ser aqui ... dentro dessa caixa de ossos.

se você descobriu por si mesmo isso, não me confesse nada disso, quero ainda um pouco da fé em tudo...

silêncio.

silencio...


observando seus cabelos posso notar o quanto cresceu.



quanto de mim há em seu semblante?



quanto de mim há em seu semblante?


é assim que ele sente o vácuo entre o seu corpo e o salto através da janela.

ela, por sua vez virou-se repentinamente e disse forçando a seriedade:

eu não acredito em vampiros.


já é um bom começo.

sim, é sim um bom começo.
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sábado, 25 de junho de 2011

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"Quem és tu, menina?
Que dorme acordada nos ventos e se embola, por entre cabelos e marolas.
Dona dos mil olhares, possui sete mares.
Apenas dois destinos".



é preciso que se denuncie que na noite anterior, algum espírito arruaceiro, cheio de silencio e paixão, desamarrou do cais o veleiro.

quando a cidade despertou ele já se ia ao longe

por sobre a linha do horizonte
parecendo ser maior do que era.

muitos disseram que fora a menina que ressurgira da noite e fez seu papel ultravitalício de desatracar os portos. os velhos homens da estação portuária sorriram de canto, suas mulheres torceram os narizes, as prostitutas se alegraram, os jogadores abandonaram seus blefes e esticaram ao horizonte, em riste, os indicadores.

quando o veleiro desapareceu bem depois da linha entre mar e céu, restou um silencio, desses que sobrevivem depois que alguma coisa grande se desfaz, depois que um largo estorvo cai por chão.

"vamos criar alguma lenda com isso". era a voz dos velhos frades em busca de fiés. também era a voz dos velhos atores sem teatro, e dos velhos cantores sem canto,e dos velhos instrumentistas sem corda e música.

"se nos chegar alguma mensagem dentro de uma garrafa, leremos as linhas em praça pública, como quem lê a ordem superior que decreta um feriado nacional".

a ausência do veleiro no cais da cidade é mais bela que sua presença. desejar lhe fazer uma visita sem que isso seja possível é melhor que o poder de fazer tal visita a qualquer hora. e assim, a nau cria imensidão aos olhos das crianças, pois o que é distante e inalcansável é maior e mais heróico.

os antigos patriarcas dirão que foram amantes de Maricéu. as donas de casa, agora com uma lenda entre as mãos dirão que teceram rendas em rodas com a menina do veleiro. um bêbado da praça dirá que a enxergou desatracando o veleiro sem nome.

ainda hoje pela manhã o granburgomestre leu um comunicado: "desde hoje que a liberdade se deu à quilha, comunico, eu que fui sorrateiro e sorrateira, que o nome desta nau é CAIS, pois guarda consigo o pedaço daquele lugar donde se separou".

o CAIS agora navega. por uma brincadeira do legislador da língua a palavra CAIS é breve como a palavra CAOS. e assim é o cais para o gigante que navega, o caos de não estar em busca da desordem que é ganhar os mares.

dez dias sem o CAIS de Maricéu atracado á cidade quase falecida sem ela. tal cidade nem existiria num mapa se não fosse a existência da menina que em mito se vestiu de partida, como quem muda de semblante a cada minuto que o tempo dos homens passa.

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"Que dom é esse que tu carregas e em sopro conduz?
Leva e traz a vida como singela vela branca naquele mundo de água e sal, e imensidão.
Meu bem, quem te rege?
Quem governa teu veleiro?
Num acaso que te guarda, num sossego que te nina...
Quem és tu, menina?
Que dorme acordada nos ventos e se embola, por entre cabelos e marolas.
Dona dos mil olhares, possui sete mares.
Apenas dois destinos.
E vive a dormir, achando que o tempo pode esperar"

[Su...]



vento, mar, veleiro e suas velas...
um imaginário no qual também e tão bem me vejo
e divido a honra e a audácia de te colocar aqui nessa mesma minha janela...
e também tua.

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é por te ter em amor

que nego aos gornes o trabalho da queda do pano

que a cena continue em conflito sem qualquer luz artificial...
se a casa do personagem é a memória
o castelo do ator tem a largura da boca da cena
o cenógrafo é o deus supremo a criar as imagens dos verbos sonoros.

te quis por perto sem corpo palpável, como quem assiste televisão às cinco
só o corpo falho estirado no sofá velho, furado
salivas escorrendo, lambuzando a fronha, decantando o tédio
e entre o não entendimento das propagandas uma fuga da mente em procura...
quem sabe pela ponta da língua úmida
e todas os planos feridos para mudar, minha cara,a cara do mundo.


urdimento
urda nossas almas. se ontem nada disso foi possível
que seja em outros tempos vindos, em duzentos anos pousados em nossas múmias
ou numa lenda que sussurre às crianças
que o maior sonho do impossível


é ser possível

tanto quanto mais impossível seja.

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eu sei como as coisas são de fato.

mas apesar de sabê-las, ainda assim, a cara esquisita e deformada assusta quando surge.

"Mas tu?" indaga o assustado. nos segundos seguintes à visão da verdade, ele ainda está assustado, ele ainda indaga, agora para si mesmo: "Mas tu? Tu, que eu julgava superior a toda essa imundície, que me regeu de algum modo na minha juventude,não passas de um mandrião?"

dez dias depois...

dez dias para ainda digerir o que resta do bolo mastigado e engolido a seco.


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quarta-feira, 8 de junho de 2011