sábado, 25 de junho de 2011

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"Quem és tu, menina?
Que dorme acordada nos ventos e se embola, por entre cabelos e marolas.
Dona dos mil olhares, possui sete mares.
Apenas dois destinos".



é preciso que se denuncie que na noite anterior, algum espírito arruaceiro, cheio de silencio e paixão, desamarrou do cais o veleiro.

quando a cidade despertou ele já se ia ao longe

por sobre a linha do horizonte
parecendo ser maior do que era.

muitos disseram que fora a menina que ressurgira da noite e fez seu papel ultravitalício de desatracar os portos. os velhos homens da estação portuária sorriram de canto, suas mulheres torceram os narizes, as prostitutas se alegraram, os jogadores abandonaram seus blefes e esticaram ao horizonte, em riste, os indicadores.

quando o veleiro desapareceu bem depois da linha entre mar e céu, restou um silencio, desses que sobrevivem depois que alguma coisa grande se desfaz, depois que um largo estorvo cai por chão.

"vamos criar alguma lenda com isso". era a voz dos velhos frades em busca de fiés. também era a voz dos velhos atores sem teatro, e dos velhos cantores sem canto,e dos velhos instrumentistas sem corda e música.

"se nos chegar alguma mensagem dentro de uma garrafa, leremos as linhas em praça pública, como quem lê a ordem superior que decreta um feriado nacional".

a ausência do veleiro no cais da cidade é mais bela que sua presença. desejar lhe fazer uma visita sem que isso seja possível é melhor que o poder de fazer tal visita a qualquer hora. e assim, a nau cria imensidão aos olhos das crianças, pois o que é distante e inalcansável é maior e mais heróico.

os antigos patriarcas dirão que foram amantes de Maricéu. as donas de casa, agora com uma lenda entre as mãos dirão que teceram rendas em rodas com a menina do veleiro. um bêbado da praça dirá que a enxergou desatracando o veleiro sem nome.

ainda hoje pela manhã o granburgomestre leu um comunicado: "desde hoje que a liberdade se deu à quilha, comunico, eu que fui sorrateiro e sorrateira, que o nome desta nau é CAIS, pois guarda consigo o pedaço daquele lugar donde se separou".

o CAIS agora navega. por uma brincadeira do legislador da língua a palavra CAIS é breve como a palavra CAOS. e assim é o cais para o gigante que navega, o caos de não estar em busca da desordem que é ganhar os mares.

dez dias sem o CAIS de Maricéu atracado á cidade quase falecida sem ela. tal cidade nem existiria num mapa se não fosse a existência da menina que em mito se vestiu de partida, como quem muda de semblante a cada minuto que o tempo dos homens passa.

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