quarta-feira, 29 de maio de 2013

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De certo modo, alguma coisa me incomoda nas lagartixas. talvez seja essa habilidade de andar pelas paredes, que elas exibem sem cerimônia alguma...

Tenho tentado entender alguns escritos, e por isso, passo vários minutos diante da tela a decifrar a fórmula e as construções em que os textos se encontram. Poucas coisas me distraem. amigos que surgem na rede a conversar, as lagartixas, que depois da reforma já nem são tantas...

Tenho me dedicado a entender a cerimônia do espelho, passada a Horácio por Vasco, seu pai.

A cerimônia consiste na oração silenciosa e gestual que vasco herdou de seus antepassados: permanecer diante de um espelho, a mirar os próprios olhos até que não exista dúvida do agora, eis a cerimônia.

lagartixas se exibindo, a correr pelas paredes brancas

meus espelhos me parecem côncavos...
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sexta-feira, 24 de maio de 2013

www.rainymood.com

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E lá estava eu parado na noite diante da loja de pneus recapados
como quem namora os movimentos de uma rainy mood page

nem velho caubói, nem homem durão de meia idade

os movimentos estudados, as palavras ruminadas
por doze anos de relutância ao gole
como na idade e tortura de um bom malt

se eu desse dez passos, cairia sedento

e a moça do balcão de frios sentiria um calafrio de medo
e o velho da caixa registradora enfiaria o indicador no gatilho


E lá estava eu no frio de uma madrugada de setembro

relaxando diante dos movimentos dessa rainy mood page

"não esqueci das promessas, meine Sansa. Só vim comprar  Marlboro...

olhar as luzes da estrada como quem olha uma saída para o boulevard"

não me espere para o jantar, garota. não faça o meu prato predileto

talvez a noite seja pra mim  a mais longa das noites
penso nisso quando vejo o sol se pondo, dourando a campina

E lá estavam as indagações impressas num bloco de papel velho

uma desculpa esfarrapada diante de minha bela rainy mood page

O estampido poderia assustar os pardais mais astutos

o grito da menina do balcão acenderia por fim a noite

não me espere pro jantar, moça

há algo noir entre meu corpo e a loja de pneus recapados


é por isso que a estrada virou abrigo do bom companheiro del rey

caindo aos pedaços ele resiste ao tempo que rasteja lento
as rodas murchas, enterradas na lama seca
palavras de amor sulcadas na lataria empoeirada

E lá estavam os sete segundos esperando por meu suspiro

na última linha escrita de minha rainy mood page

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Bravata à madrugada

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Adormeça  dragão com sua língua cantante
os sussurros das sombras à espera do dia

nas luzes antes da aurora 
a vaidade é mais permissiva
as floradas têm hora marcada
os gorjeios 
os silvos  
voos em revoada

adormeça  fogo das fogueiras do antes!
insistam em queimar, brasas vacilantes!

no corpo que desperta, sonolência
nas frases incompletas, temperança
desejo fingido
verdades traquinas
confissões amordaçadas

adormeça calor das cidades do leste
os ventos da manhã varrem suas varandas

sobra a saliva e o gosto antigo
o desejo confesso, o ombro inimigo
o desencaixe das peças
a conformidade da ausência
a paixão incompleta

a paixão incompleta
o vilarejo deserto
flores sedentas
horizonte distante

no horizonte distante
o dragão por fim se oculta
nas brasas  do mais novo cio

peito ardendo e corpo morrendo

desejo, busca, sono e vazio



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quinta-feira, 23 de maio de 2013


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Se contar um sonho rouba-se dele o seu teor mágico?

Ontem acordei tarde.Minha cabeça capta dores diferentes por culpa, eu suponho, desses travesseiros que se apastelam e endurecem com o tempo. O relógio verde apontava o ponteiro pequeno para as quatro... cedo demais...

Amanheceu. fui ao supermercado e comprei quatro travesseiros novos, com fronhas pretas. Engoli umas pastilhas besuntadas com orfenadrina. Dizem que relaxa. Deixei-me dormir um pouco mais. Esperei outras presenças, outras vozes...

Nessas horas matinais o sonido das rodinhas da pequenina bicicleta...

lembro bem, ela pedalava passando por sobre todos os buracos das vias até a escola. Dividia o cabelo em duas tranças, pequenas, que se acomodavam como orelhas de coelho. Sempre pareceu muito séria entre as outras da mesma idade, negava aproximações bruscas e nunca falava com estranhos.

Sempre pensou muito, antes de falar. Por muitas vezes nem falava, preferia calar. Comportada. Quando contrariada, seu desabafo vinha num choro silencioso, resignado... só quando muito contrariada. Se a coisa fosse pouca, apenas calava, quase num desdém.

Todos os dias dedico algumas horas a sentir saudade. Não me dou ao luxo dessas sentimentalidades desenfreadas. escolho bem as horas...

É quando abro meus ouvidos e ouço o tempo rastejar por alguns segundos. Engulo a saliva com certa dificuldade. Um suspiro meio profundo e um movimento como de quem desperta e...

O dia é sempre um novo tempo com os mesmos velhos ritos.

carrego meu coração comigo. Meu coração não me carrega. Sem poesia essas duas frases ficam ridículas.

carrego o que sinto em mim e...

procuro não deixar que o que sinto me carregue. Se tudo me permitisse a isso, ainda assim eu...



Não creio andar por mim mesmo. 
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terça-feira, 14 de maio de 2013

sábado, 11 de maio de 2013

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Como numa dessas películas baratas,que contam estorinhas infantis, o meu sonho me mostrou um mistério: a casa da réstia era bem maior por dentro que por fora. Revelar um mistério é quase o mesmo que fazer um cego enxergar mas manter o feliz coitado com uma venda impossível de desamarrar lhe cobrindo os olhos.

Só o que importa é a réstia.

Nada mais é necessário além da réstia, a superfície sobre a qual ela rasteja, e o corpo do menino, que recebe em suas formas a reflexão furtiva da luz. Ah a luz, imprescindível para essa cena. Pensei em tantas formas de expressar a luz, que acabei por entender que a luz, num espetáculo, a luz de verdade, materializada enfim... é inexplicável, um arranjo cósmico para abrir os portões do sensorial, principalmente da visão presente, daquele que assiste a cena dentro do ambiente,  que recebe diretamente nas retinas a luz gerada ali, ao vivo, por alguma mente brilhante, que consegue não se deixar perceber.

Imperceptível numa cena bem feita, afinal a luz da cena extraída, por imitar a natureza em sua cena primordial e única, carece de ser sutil e silenciosa.

Então é aí que um outro elemento cósmico surge, como se vindo do nada, organizando-se desde o caos. não é de repente que a voz da luz, a alma da luz se mostra através dos sons. na verdade não é possível dizer o quê carece de quê. Todas as potências da cena são ancestrais, vindas diretamente da criação, únicas em si mesmas e ao mesmo tempo únicas em conjunto e harmonia.

Tenho sonhado sim, verdade. pra quem é carente de explicações pra tudo, devo dizer que sonhar de verdade é uma frase que diz algo perfeitamente possível a mim. estou construindo esse sonho aos poucos. o primeiro passo é a construção do lugar onde o sonho acontece. Pra isso tive que demolir paredes de minha casa e levantar outras. Por precisar de um escuro total, comecei a isolar a luz do dia. Luz do dia? Ora, não existe luz do dia, o que há é luz no dia. Isolar tal luz? tarefa impossível pros meus bolsos, a luz no dia insiste em atravessar as paredes. pensei em filmar de noite, mas então veio-me a maior das tentações e talvez a tentação mais apaixonante: a utilização da luz do sol como luz de um espetáculo. imaginem só, anos luz para chegar até aqui e fazer parte da cena, deixar-se modelar pelo autor. ah o sol, pai da réstia, tão imenso e tão simples.
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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Poema para sonhar com a chuva





Hoje eu me deixei a dormir ao som de chuva
curvar meus ouvidos aos ruídos das goteiras
e num supor que se alagava toda a rua
acabei sonhando que atravessava o pacífico

e eu que pude ver a face de três oceanos
resignado da contenda
apenas sonho seguro com o improvável feroz  remanso

Olá, velho medo das travessias!
Olá, pavor de ir ao fundo!

se logo acordo o relógio me enerva
se agora desperto
a chuva me segreda:
Sou o teu sonho, que molha o continente
teu oceano lúgubre
de pueril terror demente

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