.
.
.
.
.
E foi assim que surgiu um vago e uma necessidade. E foi assim que nele era preciso descobrir um modo de enxergar finalmente o que parecia tão claro.
Ele atravessou o rio e alançando a outra margem desapareceu, nunca mais foi visto. Dizem que, se voltou, voltou a ser um outro, desconhecido, que andava entra as gentes e mal se fazia percebido. Nenhuma de suas potências vivas poderia se manifestar fazendo parte de um desconhecido, de um estrangeiro que sem que nem pra que atracou ao trapiche sua canoa de outros estaleiros, a se dizer um visitante apenas.
Não foi tão tarde que começou a ouvir as vozes que sussurravam apenas. Era como se as vozes fosem crianças aprendendo a falar. Era sim, eram como as crianças que de tudo sabiam por terem sido companheiras recentes dEle. Crianças que de tudo sabem e a tudo não podem atribuir palavras por terem sido colocadas em corpos tão incompletos. Mas foi muito depois que entendeu que mais cedo ou mais tarde seria preciso ouvi-las. Era imprescindível ouvi-las...
Na manhã do março das águas grandes mergulhou no rio e surgiu do outro lado, diante da casa do Funileiro, onde todos pararam sem nada saber do porquê daquele homem de uma hora pra outra boiar nu ali diante a rumar para a terra firme como que cego por delírios.
Depois disso, a sabedoria popular entendeu que algo aconteceu fantástico a ele, que frequentou o reino do fundo, onde a tudo mal se vê porque é tudo tão turvo.
Ouço essa narrativa sem espanto por suspeitar que se trate de uma viagem um tanto louca pela qual passaremos todos um dia. Transição é a sina da energia que somos? Ah que eu indago como uma debrandina mal entendida! Se um dia fomos o que não estamos a ser agora, se um dia seremos um outro nome, se um dia chegaremos à outra margem...
O único modo de dizer é essa inconstância: a arte. Nome em português estranho, A ARTE, pouco para ser o nome de um caminho inexplicável como corpo e muito mais como não dado ao toque.
Tem isso de se entender o processo da sede como sendo igual ao de quem mergulha e se deixa ao reino do fundo. Uma sede durante a estrada,uma sede rodeada de líquido, que assola o corpo viajante. Sedento ele busca por vida que lhe possa saciar. É um não morrer de sede e ainda assim senti-la mais dolorida que o medo da morte, sim, mais dolorida, pois da sede intensa da arte, a morte nem sombra é. O desejo maior durante os delírios é que surjam as mãos salvadoras da mãe a molhar tua cabeça e a te saciar com todos os líquidos.
Mas a sábia mãe que a tudo sabe, como o sabe toda velha mulher só te deixa cair até a boca umas gotas que parecem insuficientes.
Assim continuas ...
Em mergulho e em caminhada.
.
.
.
.
.