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Passamos quase o dia inteiro pintando o ícone que por apenas alguns minutos ficaria ao centro do palco, seis minutos pra ser mais preciso. O ícone, pequena bandeira de algodão, se manteria ali, subiria em seguida, revelaria algo que tentaria não revelar o que não deveria ser revelado. De pois a tentativa de não revelação desapareceria. O que surgiria não seria a verdade, seria um fato.Fiquei pensando que tudo isso é muito inútil. Inútil como mágica, que sabemos ser truque e ainda assim admiramos. Envergonha-me um pouco essas traquitanas.
Oito horas de trabalho, tratando com esmero os detalhes, tudo isso por seis minutos. O mais importante estaria ali por trás, cantando palavras nem sempre com algum sentido.
Fazemos muitas coisas assim, muito tempo de dedicação por pouco tempo de manifestação. Essa relatividade temporal é mesmo o que seu nome diz. Posso me indagar e preparar um index de coisas que me tomam dedicação por muito tempo, coisas que sei na veiculação não viverão mais que um piscar de olhos. Mas vem de meus antepassados essa paciência de mutá. Ficar a noite inteira quieto esperando a caça passear sob o umarizal. Quantos nacos de tempo dura um apertar de gatilho?
Coisas que possuem vida de libélula.
Porém...
coisas com apetite de libélula.
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Uma de nossas conversas nos levou a indagar a sei lá quem:
A quem eu envergonho com minhas atitudes?
Na mente deles como ficarei depois de minha passagem por aqui? Se essa pergunta tira teu sono é sinal que há um zahirishta dos grandes dentro do teu juízo.
Serei considerado um bom sujeito ou o pior que por aqui manteve os pés? Quando eu sair o que resmungarão? “ai vai um bom homem”, ou “como vai tão tarde esse pequeno Raskolnikov” ?
Temo meu senso de justiça. Temo-o injusto. Muitas vezes lembro de sermões que ouvi de meu pai e me indago se sou mesmo o que prometi diante dele ser a mim mesmo. Justiça é o que mais pregava o tal velho sem palavra alguma, apenas com o trabalho de mudar o lenho em coisa útil. “Equilíbrio não é ter segurança em andar de pontacabeça ou com um pé só. Ser equilibrado é ser justo”.
Nem equilibrado e nem justo. Não sei se uso as mesmas medidas pra uma coisa ou outra.
Porra pai. Foi mal. Acho que te envergonho um pouco.
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Para um quebracabeça espalhado pela casa é a casa que está em desordem. O que a casa pensa a respeito deste quebracabeça?
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Obrigado. Sim, é pra você. Obrigado. Olhando de um jeito diazomático percebi seu traço, que eu disse melhor que o meu. Foram mais de sete horas de trabalho. No começo dos rabiscos dos labirintos cheguei a achar que aquilo não seria possível. Em certo instante até pedi coragem, alegando que a coragem é um dos principais atributos da arte. Risível. Você nesses instante demonstrava uma técnica que tornaria tudo mais fácil.
Obrigado.
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tenho orgulho de trabalhar no teatro ao lado de algumas pessoas que amam o teatro. Pessoas que sabem ali ser um local a ser respeitado, por reconhecerem que não há uma tradição qualquer em jogo, que essa transmissão vem de nossos antepassados tanto quanto uma religião. E se não reconhecem isso por conta do tamanho de seu repertório cognitivo, o fazem por bom caráter e boa formação moral.
Não me envergonho de no mesmo lugar trafegar ao meu lado indivíduos dominados por força inversa. Apenas apiedo-me dessa impossibilidade que possuem, como os que não são agraciados pela fortuna de um milagre muito simples tal como abrir os olhos e enxergar o dia. A eles o que me vem como sensação é a mesma que me toma diante de mendigos que vagam pela cidade a carregar trapos e lixos segurando-os como se fossem tesouros metafisicos.
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O subjuntivo é uma casa onde tudo é possível.
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“-quem é amanhã aqui?
-amanhã?
-sim.
-amanhã é ninguém”.
Fantástico esse diálogo nos corredores do teatro.
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