2
Então o menino da casa sob o castanheiro voltou trazendo
trinta crianças da vila. Entre elas havia um homem adulto de pele morena que
nos parecia mais ansioso que os pequenos.
Era tudo muito mais tranquilo que nas profecias. Longe, a
cantiga das cigarras; o vozerio soturno e as risadas dos jovens. Ouvi os sinos
do campanário velho e as trombetas do velho Adamastor, que gostava de anunciar
a todos que o sol havia finalmente se posto.
“E então, preparado pra viver seus últimos anos?”
“Meus últimos anos?”
“Pra um homem que encontrei quase morto, viver mais alguns
anos deve ser muito perto de um milagre”.
Olhei pra ela bem no fundo dos olhos. Cerrou os dentes e sorriu somente com os lábios.
Alguma coisa naquilo me levava aos tempos do velho circo. Eu podia até ouvir os risos
da plateia. No ar de minhas nostalgias, sobrara o cheiro acre de vinhos derramados
e espumantes azedos do Café Imaginário. Mas
nada era como aquele momento, presente e precioso. As lembranças eram tristes, distantes.
“Não sou sua pequena senhora das profecias ou dos seu sonhos”,
ela disse.
O presente era um doce, um merecimento, um apaziguamento.
Mas olhando bem, observando seu vestido branco ao vento e
seus pés descalços sobre sabugos de trigo, ninguém poderia me convencer de que
ela fosse algo diferente do que sonhei pra mim.
“Olhe pra esses pequeninos. Tem muita coisa minha neles. Não
poderíamos ganhar olhos mais puros e atentos, nem corações mais ternos e
sinceros”...
“Você é muito chato com toda essa poesia”...
“Eu sei... falta
pouco pra que eu nem precise falar que estou
a ponto de...”
“Cale a boca e assuma seu papel”.
Ouvimos o badalar de um sino muito próximo. No mesmo
instante uma revoada de papagaios atravessou o céu.
"Se você pudesse entender o que vejo, deixaria de falar tanta bobagem". Com essa resposta atravessada a noite caiu e pela primeira vez as cortinas se abriram diante de olhos infantis e incautos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário