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Eu diria que estou além de um corpo falho, de um temperamento incompleto e de uma forma fora de acordo.
Eu diria que bastaria a presença, ou a suspeita. Diria que o toque no corpo seria apenas uma consequência de estarmos em algum lugar ao mesmo tempo. Já ouvi casos em que almas irmãs se encontraram mesmo em tempos diferentes. Mas no caso, tornaram-se necessárias as imagens em sonho ou alguma fotografia esquecida numa parede ou num canto de um alpendre.
Talvez tenha mesmo sido por sua decisão somente que eu estivesse ali, diante dela, sentado num sofá. na encruzilhada da casa que um dia foi de um pintor de sedas. Por ideia minha, estaríamos diante do rio, mesmo com a forte ventania que se fazia vindo a nordeste.
Uma casa colorida me surgiu e depois de uma procura breve e umas quantas caminhadas inúteis, alcancei o interruptor da campainha. E tudo isso foi antes de estar neste sofá, diante dela, com o coração docemente alegre e suspeitosamente duvidoso.
Há tempos que eu não tinha tanta certeza, de que de algum modo, alguém no mundo sentia igual a mim, uma estranha melancolia por supor que o universo era tão belo a ponto de nos caber inteiro na imensidão de uma espera.
"É o paraíso", eu disse naquele outro dia. "Deve ser isso o que tantos chamam de paraíso. encontrar uma paz assim... um olhar que te cabe..."
"Quer chá?" indagou-me.
Mas lembro que o chá foi depois do beijo. É claro que estou confuso. Eu beijara o improvável... Ou o chá foi antes do beijo?
A total improbabilidade estava ao toque de minha boca. Mas por algum motivo maior não havia temor de tudo ser tolice. Deveria ter tido um temor, mas a ânsia não se importava.
Pensei que um chá seria tudo o que um homem sensato poderia desejar. homem sensato? Agora sei que a sensatez precisa de olhos atentos e de corações impuros e doloridos, para surgir como o monstro do lago.
O chá não veio, agora lembrei. Foi o beijo antes de tudo... Pois tudo o que importa cresceu depois daquilo.
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