RESQUÍCIOS DA VELHA SENHORA
as coisas são como devem ser?
as coisas são como deveriam ser?
quem é o responsável pela direção disso?
o zelo na convivência. entenda as palavras, não pense que são feitas sem esmero... somente pra você que esse castelo de cartas (o texto) se desmorona. o zelo na convivência passa pelo (estranho) desejo de sempre ver o outro num sorriso leve e tranquilo, como que raspando as panelas de mingau, sorvendo um sabor último. um dia eu soube, amizade é (como) isso, de cuidar de alguém de um jeito infantil, como faziamos com os brinquedinhos prediletos guardados num baú perfumado com naftalinas roubadas da avó. fios de algodão enrolados em palitos de picolé, soldados de plástico, carrinhos que vinham como brindes em balas de amendoim... figurinhas de personagens de desenhos animados... restos de ostras e pedras com formato esquisito...
coisas que lembram dos tempos... (carregam o tempo na cara)
a velha senhora apertava bolinhos de farinha e os colocava arrumadinhos no prato. chamava-os de capitães. eu e os capitães de feijão a observá-la num tecer croché sentada diante da porta...
eu pensava que tal tempo fosse algo que nunca passaria. hum... eu nem sei se sabia que o nome disso era infância.
quando nestes últimos dias o meu corpo adoeceu, poupei-lhe de por mim ter cuidado, como quem esconde que solta pipas pela janela do sótão. desconfiada, preparou-me chás de casacas de árvores. chás amargos...
disse que eu parecia triste....
que não deveria me jogar tanto assim nas coisas que faço....
que poderia largar os papéis e os livros... (e o resto...)
que poderia dormir na sua cama, se eu quisesse. (foi o que ela disse, e senti tranquilidade)
tudo ao contrário que me ordenava...
eu poderia fazer tudo o que me proibira na infância.
numa dessas febres que de surpresa me afloram nessas condições, deitei sobre o lençol limpo da sua cama antiga... e fiquei fingindo meu fim de vida, pra ver se ela se achegava...
e os lençóis
(tinham sempre)o mesmo cheiro dos mesmos tempos, que (eu) sabia nunca passar.
(e agora)
nestes segundos fech0 os olhos e esqueço destes anos tantos sem ela...
e quase me juro que, se levanto daqui, encontrarei a velha senhora diante da porta a tecer centros de mesa ou a me fazer fuxicos, fuxicos mesmo, destes que falam de coisas que por sabedoria fingimos ouvir.
(velha) amizade é algo que sinto assim:
brinquedo que reencontro...
num canto da casa, que me deixa quieto
(por horas e horas, num outro mundo)
[de TEMPOVAZIORAL] www.tempovazioral.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário