terça-feira, 23 de agosto de 2011

A ESCADA


Havia uma escada de três degraus em uma outra, que ruidosa nos levava por caminhos secretos, como se fôssemos algo especial que  irrompesse o tempo, para mudar os rumos do mundo. Ficávamos ali como se não precisássemos do restante de todas as coisas, como se o universo das mais tumultuadas multidões nem sequer  fizesse cócegas em nossa curiosidade. O que éramos naquele instante nos bastava, a ambos, de igual forma.

Sobre a escada de três degraus ficávamos extenuados com o rápido passar do tempo. O dia corria em desespero desde quando ali sentávamos. Nem havia tempo de ouvirmos juntos uma música, ou simplesmente cochilarmos sem planos, visto que nossos encontros eram sempre depois do almoço; momento de vontade e preguiça maior que a vontade.

Vinha de seu corpo um cheiro de pele, simplesmente. Não havia um perfume com suas cadeias desenvolvidas num frio laboratório. Aquele perfume aquecido de sol e dia era o cheiro de seu corpo, que se entranhava em minhas roupas e me acompanhava por todo o resto do dia. Certa vez ela me confessou ter medo que nossos cheiros nos denunciassem. Da porta do albergue  até a quinta de Vianna, ela pressentia que nossos encontros secretos já não eram um segredo.

E sendo assim, concluiu , enfiando sua língua na minha boca, que não poderia mais haver reserva alguma. E se entregou despida, de pernas abertas, úmida a pedir com gestos e gemidos que eu a  penetrasse. Nossa hora de almoço começou a se passar cada vez mais depressa. Na nossa hora de almoço, nada de coisas ao forno, ou molhos brancos ou o diabo. Naquela única hora do dia, o vilarejo todo nas suas reuniões mais íntimas perseverava na certeza de que estávamos mergulhados na mais tórrida safadeza humana.

Nus, arquitetávamos planos para mudar as coisas de lugar. Largarei  ele assim que ele chegar de viagem, ela dizia. Porém, o não chegar de viagem se arrastava e o que se deveria dizer nunca foi dito. Em tempos de espada, a morte é uma solução honrosa para a  dor. E a morte encontrou o meu caminho na segunda semana do brumário, quando os cavalos de exércitos inimigos, atravancaram o continente.  O bom homem dobrou os joelho e me olhou da última instância de sua vida. Seu olhar me dizia algo, como se estivesse levando para o outro lado uma dor que nunca libertaria sua alma. Eu o matei. Mas grande parte de mim, morreu também, ali, junto com aquele  homem honesto e corajoso, que lutava por seu país, enquanto eu me deliciava com as carnes de sua amada.

Por algumas vezes ainda veio disfarçada a me visitar. Trouxe certo dia  uma guloseima de uvas e azeitonas verdes, foi no mesmo dia em que escondidamente me beijou e disse que ainda me amava. Depois disso, escondeu-se pra sempre no meio de tudo o que eu não via.

Hoje pela manhã o padre veio tomar minha confissão e indagou a respeito de meu último desejo...
Meus desejos vão esticar o meu pescoço monsenhor. Não ouso desejar mais nada além de morrer sem mais desejo algum. E eis que a  porta se abre. E no alto do mastro vejo o artefato que me libertará de um modo que não sei dizer.busco nas lembranças o cheiro de pele que atravancou meus dias e com ele me jogo sem contorcer meu corpo em busca de um fim  inevitável. mas no último instante, um vacilante pensamento indagativo me corrói o juízo: e se foi tudo em vão?

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