domingo, 21 de agosto de 2011

MEMÓRIAS DE SERAFIN - 11


no caminho de montanha


É preciso dizer que eu carecia de  sair das cercanias das lonas para conhecer o mundo, já me bastava de tanto tempo naquele útero invencível. Não havia cansaço algum que me empurrasse para esse desejo, não era por conta de exaustão física, afinal, o trabalho no circo  já fazia parte, desde muito tempo, dos costumes de meu corpo.O que me motivava eram os desejos novos que cresciam em mim, uma espécie de encantamento por uma outra existência, uma paixão que não me deixava de pensamentos livres por um só segundo.

 Quando se iniciaram a desmontar o circo, que já se permanecera  na Ásia por seis meses, aproveitei para buscar a dona das sapatilhas, como uma desculpa para uma tentativa de fuga das rotinas.  Li, que de alguma maneira, transformava minhas prioridades, impulsionava o meu desejo pela vida, uma ânsia por encontrar, uma impertinente angústia por tudo já parecer entediante demais, e entediante sem a presença dela.

Alguns amigos se propuseram a me acompanhar, dizendo que o caminho poderia ser perigoso e ainda havia os limites de idioma, que poderiam me causar alguns infortúnios durante a aventura. Porém, eu preferi viajar sozinho. Escolhi apenas uma troca de roupas quentes, botas e água e, em poucos passos acima, já me sentia envolvido pelos ares de um mundo novo, numa manhã de sol, com o coração acelerado, como se houvesse uma estréia urgindo, com o coração acelerado, como se eu acabasse de ter nascido, com o coração acelerado sem motivo algum para assim estar.

 Os ventos desciam friamente do cume da grande rocha, apesar das ondas irregulares de calor outonal que subiam da terra, e por isso tomei o cuidado com o aquecimento de meu peito, me envolvendo logo com a túnica de lã que o bom amigo Buchinelo apertou ao meu bornal. Muito ao longe, numa elevação que parecia impossível alcançar a menos de duas horas, repousava uma casa, à beira de um precipício, isolada e modesta, da qual, uma fumaça branca escapava pela chaminé. Um homem nativo que vinha em sentido contrário me fez sinal e eu me apressei a tentar me comunicar com ele. Pelo que eu pude entender, se eu continuasse no mesmo rumo, daria por fim naquela casa. Ele retirou de sua bolsa algo e me ofereceu, ia sorridente e jovial, apesar de que andava encurvado e se valia de um sabre para se manter de pé. Concentrei-me na árdua tarefa de simplesmente caminhar em subida, deixando-me ser tomado por um cansaço que aumentava a cada passo. já um pouco distante ouvi a voz do homem que descia a montanha. pareceu-me loucura, mas entendi que ele me advertia: desista disso! ri-me dessa suspeita e concluí que ele dissera outra coisa de fato incompreensível, pois nada falava de meu idioma. Mas pouco  disso me estorvava, eu tinha toda a juventude de meu corpo a meu favor, e uma felicidade preenchia meus pulmões. A única coisa que me importava no mundo seria encontrar a menina das sapatilhas e dizer que jamais passou por minhas idéias a possibilidade de amar alguém  repentinamente, como eu a amava.  sim, eu a amava.

ao abrir o pacote entregue a mim pelo andarilho, encontrei algumas sementes negras e uma pequena pedra de argila ressecada.


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