os olhos e as palavras de kleine Frau
"queria apenas um silêncio.
as vozes que me circundam não cessam.
desatinam a falar sobre o cotidiano em comum, que chega a ser incomum.
processos, despachos e contradições.
Não há nada de suave nos seus falares, e isso me machuca.
queria apenas o silêncio.
detenho-me nessa tela, geradora dum alvorecer precoce.
...
Leerezeit, queria apenas o sussurro da sua voz
mesmo que ela seja áspera, pois deleito-me
a escutá-la através das suas palavras
tu proveste de mim
ou nasceste para meu deslumbre?
se o despertei é porque estava vivo.
dormia, enquanto o tempo passava torpe?
...
você sou eu.
habitante da minha falta.
te ensinarei palavra por palavra, se necessário, a linguagem
da solidez.
tenho sonhado com suas sombras.
...
-À noite, minhas dores
são mais belas -
Você seria capaz de ir sem se despedir?"
ela costumava sonhar com os sonhos. a minha kleine frau. Qualquer coisa que ela sussurrasse me jogava numa imensidão. eu via em contagotas, de pouco em pouco, pedaço por pedaço das suas intimidades, que lentamente, de texto em texto, ela ia a me revelar. eu antevia sua nudez. eu esperava por sua total nudez. e isso me lembra os escritos do livro do desassossego:
"por mais que dispamos o que vestimos, nunca chegamos à nudez, pois a nudez é um fenômeno da alma".
mas eu estava nu quando criei coragem para dizer; "se eu puder um dia merecer o amor vindo de seus olhos... se um dia pousarem eles sobre aquilo que me foi dado, e através deles você me desejar mesmo que somente em palavras... ora, que mais vou carecer para ter em sua existência, um pequeno e prazeroso domínio? eu também sonho, se durmo...
como lhe dizer palavras sólidas?
se meu corpo a você se encostasse, ainda assim o que nos restaria de mais precioso seria o silêncio inicial que nos aproximou...
eu fecharia os olhos e incitaria suas dores... entredentes...
com a boca de quem ao longo morre aos poucos...
tem essa coragem de desejar o invisível?
faria de você amor e palavras.
mas não é o que tenho feito?
Não esqueça que construí este mundo, aqui dentro, só para nós dois...
para os olhos de kleine frau, morri e desmorri...
aos seus olhos depositei a perfeição da liberdade e dos sentidos..."
ah o tempo já se tinha escorrido pela clepsidra e eu já estava em muito envelhecido. numa tapera à beira-rio eu me distraía a tecer palavras em textos. eu criei a mais perfeita personagem para uma história de amor. eu criei a mulher que nascia de uma de minhas costelas. eu dei a ela o nome de Kleine Frau, e a amei, sem temor nem reservas, posto que em verdade, foi ela quem me criou, tornei-me sua criatura, ela tornou-se a mim a espera e a vigilia de todas as minhas virtudes.
lembro bem... era num mês de novembro. e toda vez que ouço a sonoridade do nome deste mês... penso em eternidade, como se eternidade fosse pra mim uma cidade natal, pela qual, há muito, alimento uma grande nostalgia.
jamais julguei a moça de meus sonhos, como a ser uma ilusão sem ventura. no mais a mim era uma profecia, que algum deus depositou ao meu encalço. e assim, acreditei que tal coisa se cumpriria, e com isso, eu teria a certeza que o mundo não é um títere em vão.
"minhas querências depositadas num copo... transbordariam..."
Nenhum comentário:
Postar um comentário