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Por anos seguidos não mais pude ver Santiago encalhado no Rio Poxim.
A falta daquele barco velho e pobre nas águas diante do centro velho, tiravam, pra mim, uma grande parte da beleza de Aracaju. Agora o manguezal mostra-se frondoso e os barcos com motor Honda substituem as libertárias jangadas de pesca.
Viver o agora não é uma tarefa fácil.
Eu pensava nessas coisas enquanto o médico escrevia garranchos numa receita. Ele havia apertado minhas costelas e eu sinceramente vi estrelas. Pensei em providenciar analgésicos. Era preciso estar em ordem para construir um trenó de natal, que aguardava ainda em matéria prima no atelier. quantas idiotices você poderia fazer para descolar uma boa grana?
Com Santiago, sem remos, Serafin buscou seu signo perdido. O que ele encontrou foi uma praia, um moinho de vento sem vento, um trigal, um cercado pintado de branco e uma criatura sem nome, que corria sem rosto e sem rumo por essa paisagem. Santiago tem a fisionomia de meu passado, quando tive que morar em casas muito velhas, dividindo espaço com escorpiões, comendo pão e leite e ouvindo música estrangeira.
Sem grana para condução, eu caminhava pela avenida Beiramar. E lá estava o pequeno barco de pesca, todos os dias, balançando, no mesmo lugar. Santiago parecia não ter vida, parecia não ter dono. A única coisa que o prendia de uma liberdade total era uma corda velha que, talvez amarrada a uma pedra afundeada, lhe servia como âncora. Pobre barco, diante de tanto rio, diante desse delta que se abre para o Atlântico, continua preso.
Então me veio a pergunta tola que trata de prisões e liberdades. Santiago, meu signo particular dessa ideia, jamais abandonaria meu juízo. Sempre reaparece com seu balançar tranquilo de quem se conforma com o pouco que lhe cabe; e eu sempre com a maldita ideia de cortar a velha corda e deixá-lo fugir de bubuia rumo ao oceano infinito e profundo.
Na 125, vez ou outra me vejo de bubuia rodando sobre o asfalto da Augusto.
Viver o agora não é uma tarefa fácil. Os garranchos do médico foram decifrados pelo farmacêutico; eles devem ter um pacto secreto de sangue.
A vida não deve estar farta ainda de mim. A corda velha ainda está lá.
Mas sinceramente...
que se foda.
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