quinta-feira, 29 de novembro de 2012

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Se a respiração tornou-se uma atividade dolorida, quase insuportável. Quanto não deve ser dolorido o respirar profundo?

Como levantar as pesadas peças de virola?

Como descer lá do sótão as tábuas virgens?

com a força dos músculos em tensão, não há como sair sem os desgastes oriundos da queda. Uma pequena queda num estacionamento, onde eu  buscava uma vaga, para aquietar a nervosa 125.

fatos pequenos do dia se confundem com os caminhos da alma. Tenho pensado em deixar ao longe, de vez, quieto como uma peraltice da infância, esse sonho. Penso por mil vezes em abandonar a cenografia. Na minha vida, a cenografia teve um começo ruim, e as tramas terríveis desse começo ainda me incomodam.

Por outro lado, calar esse léxico, que me faz sentir um pequeno deus construtor de Édens, seria calar não só a trama suja, mas parte boa de minha alegria.

Tenho pensado idiotices mexicanas. tenho imaginado mulheres de longas cabeleiras laqueadas a chorar sem lágrimas diante de uma câmera, dizendo a si mesmas: "pobre mundo que não mereço". tudo isso é claro, antes do engraçadíssimo comercial de shampoo.

E das coisas que faço, a melhor bem que poderia ser escolhida e colocada num trono. A melhor ação que tomo em arte, suponho, não carece de corpo algum além do meu. É uma masturbação frequente. aperto as teclas e as palavras vão surgindo..  e todas as emoções conhecidas, desconhecidas, nomeadas ou não, cabem e se constroem entre meus dedos e a minha vontade... basta que eu persista, mesmo que os músculos me implorem para que eu desista.

Não sinto vontade de começar a construir o que devo construir no atelier, tolos de mente pequena diriam que isto é preguiça. Esta cidade, desde quando nela resolvi me aquietar, tem tido a incumbência de me revelar a primazia, os sub produtos de toda a merda da civilização ocidental. A primeira de todas, foi essa sensação de estar só, após ter julgado encontrar uma  fatídica possibilidade contrária. e de toda sensação de solidão, a que mais me castigou foi uma, proveniente de um fruto, um fruto que, pelas barbas de Netuno,  não para de crescer. Minha filha, Pirilampo, distante, crescendo dia após dia longe de mim. Que pesado fardo para um coração malignamente egoísta e pseudo pós cristão de pai,  como o meu! É como se eu tivesse orgulho de ter um sofrimento que caberia tranquilamente no meu crachá de servidor público:  PAI DISTANTE. Um cristão saberia bem como resolver a questão: Meu Deus sangrou numa cruz, eles dizem, de que vale esse teu sofrimentozinho de merda? eles indagam. Feche os olhos e cante como um débil mental, eles aconselhariam.

Sofrimento para descer as pesadas peças lá de cima, com os músculos do peito e as costelas dando o ar de sua dolorida graça.

Puta que pariu! Vão se foder, bando de filhos da puta!

Ah...  Se os xingamentos me livrassem de toda essa lama fedorenta, eu seria o dono da Phebo e distribuiria sabonetes de graça para todos os sofredores da cidade.

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