domingo, 11 de novembro de 2012

297


.
.
.
.
.

VERIDICA OU QUASE

Santiago era um pequeno barco que permanecia ancorado no rio Poxim, quando eu era um jovem e morava numa praia. Nunca o vi sair dali. Eu ficava horas diante do rio a observar santiago na sua prisão atemporal. Planejava libertá-lo, mas eu me dizia que não saber nadar era a minha incapacidade, que o adoecer de um barco é não poder ser levado pelo rio sem rumo. Afundar nunca seria sua morte. A morte de um barco não é a inexistência de um rio e de um rumo, de um porto de partida e um porto de chegada.


Ela não estava em mim ainda, eu não conhecia o semblante de minha verdade; eu a procurava e lhe chamava de meu tesouro. 

Eu não dormia naquela noite quando alguém me enviou mensagens que diziam que de algum modo a minha miserável escritura tocara sua alma e despertara o que  por muito tempo sabia estar esperando: parte sua de muita preciosidade. Naquele fim de noite senti sono e dormi num acalanto confortável, contente sem saber ao certo o porquê de estar contente. Eu ouvira a voz que vinha de longe e ela me causava um grande bem.



Não poderia existir nenhuma não alegria naquilo que construí entre mim e as palavras que recebi em correspondência. A nossa humanidade em nós bem que poderia ser construída assim, sem desalegrias, sem traumas. 

Ah, mas a humanidade pode ter surgido de um início tumultuado, quando um animal olhou para o sol e o entendeu poderoso, dono das vidas. Mas a humanidade se tivesse um recomeço tão tranquilo quanto o meu diante dessa existência que me procurava, diria que esse mundo de agora seria um desenho apenas, umapassagem, um estágio, um projeto espetacular, mais espetacular que o espetáculo final  planejado.


Não, não poderia existir nenhuma tristeza no que eu era naquele fim de noite. Para perceber minha alegria eu nem precisaria estar deitado na pacífica praia do sossego. Ah, meu sonho de outrora transcrito para páginas em branco, minha utopia na qual por dias me deixei sozinho a esperar  que meu tesouro me encontrasse.  


Num dia de despedidas daquele lugar eu resolvera presenteá-la  com o que considero o dom mais precioso que me foi dado por quem me criou (meu titereiro que manipula a cena na qual me deixo pertencer). Ofertei meus papeluchos, iluminados pelas luzes da tela de um computador. Letras marrons ou brancas em fundo sépia ou negro. Minha esperança e meus sonhos estavam ali em tipos que escolhi a esmo.



Não tive nenhuma intenção definida. Apenas  quis essa presença desconhecida perto de mim mesmo que distante, como uma leitora indiana que ama o escritor guatemalco, como a Doroty francesa a amar o pequeno principe negro da Antiópia. nada mais que um sorriso invisível de gratidão ou alegria eu esperava, pois tudo estava tão triste e apagado naqueles dias...



Como deixá-la ir sem nada dizer que nela plantasse algo que  floresceu de mim?



Eu devolvia as flores.



Eu as devolvia num arranjo que fiz escondidamente...


...como quem planeja surpreender a irmãzinha triste com uma brincadeira tola que a faria rir por entre as lágrimas.




Eu a observava triste, como quem procura por uma sombra por estar em demasia enfastiado de sol. Nesses dias em que eu lhe via assim, minha paz estava em mim tão calma que era bem possível que eu a pudesse recolher e lhe dar um pouco do sossego. Aprendi de início que por aquela existência fora do comum eu sentia um demasiado bem, como quem também encontra sombra depois de longa caminhada. Senti que poderia dividir com ela algo que até  de mim  mantive guardado.

É certo que pelo lado de fora da casa onde eu morava o mundo me era muito hostil. E eu já naquele momento sabia que para alcançar qualquer paz futura precisaria ser corajoso e forte. Precisaria abrir meu peito para o impacto prometido. Um impacto que eu sabia com certeza que viria.


E não foi diferente. Aconteceu que certo dia o olhar da guerra se direcionou a mim como quem me vê.

Era preciso estar preparado, resmunguei...


Coragem é a procela tornada risível e bela. Devo estar preparado pro que virá.


...


seu nome era...

seu nome ainda nem sabia qual era.

mas naquele tempo se chamava de tempo.

que um dia olhou aquilo que não me forma e assim me descobriu.

Era uma vez uma menina que nunca me olhava de frente...



É depois disso que resolvi que daqui por diante vou narrar algo que não vivi. e para que depois destas temporadas estes escritos sejam tomados como a expressão verdadeira do que digo, invoco a inspiração do que me habita, para que não me falte o acalanto de estar a falar o que de certo se mostrou a mim de modo mineral, como um ouro bruto arrancado do fundo da terra.



Sentir falta da presença de Santiago é sentir falta do rio?


está decifrado um enigma tolo:


aquele que às margens do rio nasceu não sabe nadar.




Houve aquele tempo em que...dias ruins se abateram sobre mim.Nessas ocasiões há algo que repentinamente surge entre a platéia e o palco. Não se pode ao certo saber o que as palavras iniciais podem significar, a soma dos gestos, a aplicação mais verdadeira da verdadeira função do olhar, tudo isso adquire contornos que resultam num estágio de pretensiosa letargia. Espera-se que os minutos ali se alonguem, a cena se mostra como um espelho daquilo que esperamos. Esquecemos o dia lá de fora, esquecemos as arquiteturas mal feitas, apenas permanecemos vivos, com semblante atento.



A existência da musa se manifesta. Semente que se rompe ao broto. Um modo se sentir-se seguro como se me amparassem as dores de minha coluna cervical.



"Há tempos que não me sinto assim à beira de uma agressão. Há tempos que não sinto na garganta a secura de quem está sentado ao banco dos réus. Ando com a marca dos malditos e por ela e através daquilo que ela representa todos me dissecam a dizer coisas, a esperar que eu diga coisas que não posso dizer.



E tudo isso acontece porque o Ballão aqui é apenas um servo impotente?"



Eu perambulava pela platéia enquanto o espetáculo do alheio era representado. Jamais houve mal naquilo que me surgiu, nem pecado nem impurezas de qualquer tipo. Alguma coisa divinamente infantil me impelia. Era como se eu procurasse pelo mesmo pequenino tesouro esquecido nalgum canto.



Estou acordado agora. Acordado e salvo. Por mil diabos!. Ninguém conseguiria medir as dores que senti. Vivo, somente  agora, um tempo pacífico. Um sinal me indica o rumo e sei que serei levado ao que me foi prometido, ao que a mim foi guardado. não posso disso me distrair. 

posso sim...



se acaso a cena se tornar longa demais...



Procurarei sua mão no assento ao lado? Encontrarei os dedos frios de quem espera um gesto?


Ou estarei apenas dormindo enquanto se passa na tela o melhor do filme mudo?




Enquanto a atriz da alma imoral falava de almas, eu entregava a minha ao espasmo que me tomou?



Volto minha cabeça para o lado e não posso enxergar  o que busco no escuro da platéia, mas sei que lá esse meu tesouro não está a esperar que eu o note e o recolha para o claro. Espera sim que aquilo que agora se estanca em seu redor mude, que reconheça aquilo que ele, como tesouro, reconhece. Assim, desse modo, a vida inteira do meu tesouro seria também a minha vida. Devo encontrá-lo no mesmo escuro onde estou? As minhas retinas permanecem dilatadas em busca de uma figura que se possa definir. Minhas mãos tocam algo. Faço isso para perceber que devo permanecer assim? Ou faço isso para me certificar que ainda estou entre dois mundos?



Nos desvarios da cena da atriz da alma imoral me aprimoro em apertar os olhos...




Apenas isso. Imploro por um acorde.



Desejo o choro.



Mas a emoção disso não habita um corpo. Nisso o corpo é pequeno para a alma.




Magnífica contradição não imaginar o oposto: é a alma que possui ao corpo.






O tesouro reconhece o mundo nesse modo de ver que também é meu? Não encontro seus olhos pois bem sei, estão já em mim e se manterão assim até o último dia, no qual mais nada conseguirei manter desenhado sob o tecido?




Se me obrigarem a dar um nome a isso que me faz buscá-lo, a isso dou um singelo nome: Esperança. Faço-o como modo único de trazer à luz tal coisa que desconheço de semblante. Sensação risível de nem ter. Subjulgamento total dos substantivos.



Meu tesouro dorme durante minha procura. Dorme tranquilo pois nada lhe pode acordar.



Estamos todos num teatro. O espetáculo acontece.



Diante de nós a atriz nua da alma imoral se enrola num tecido preto e fala de almas. penso que por muito tempo tenho tentado entender esse universo que digo divino das almas.  E nisso penso que por muito tempo tenho entendido que me senti sozinho na busca tola. E essa sensação sim tinha algo muito próximo de minha alma, como se minha alma fosse esse sentir que não compreendo. Pois diante do que me é incompreensível, sinto minha alma me surgir como se realmente fosse minha alma. A tranquilidade da voz da atriz me revela coisas que eu nunca pensei que acreditasse. E assim fecho os olhos como a saber sem precisar ouvir. Ter o entendimento claro sem precisar ouvir. Ter o entendimento claro sem precisar ver. Ter entendimento claro sem precisar sentir na pele. Ter o entendimento claro sem precisar entender. Ter o entendimento claro sem dele precisar. E respirar apenas...



E assim nem me dou conta que ela está nua por debaixo do tecido, que o cheiro de sua vagina pode ser sentido espalhando-se pelo espaço. Estamos nus todos nós. espalha-se pelo o ar todo o odor de nossa humana nudez.



Seu falar é compassado, é a voz de um rabi que se aproxima dos ouvidos e diz verdades que parecem ter sido em tempo longo apenas suspeitas.



Meu tesouro está a assistir e ouvir também a   criatura do lençol, nos seus pensamentos parte de minha presença se movimenta como o corpo nu dessa atriz da alma imoral. Seu olhar provavelmente me busca por dentro de sua mente.Pra quem não sabe, meu tesouro é inerte, não move o olhar ou se rasteja em minha direção. Deve se deliciar com a viagem que faz naquilo que suspeita ser o que sinto, sente essas coisas ficando imóvel no mesmo lugar onde está, esperando que minha busca termine. 

Ou será que essas delicias imaginárias são minhas, somente minhas? percebo isso com um contentamento retraído, como se ainda soubesse que apesar de me movimentar dentro de meu corpo, ainda assim, essa minha movimentação de buscas não me seria capaz de libertar como eu sei que poderia. É assim que também me sinto nu como se nu sempre estivesse. Tenho também minha alma imoral.



muito devo ao olhar que me criou

pedras soltas.



o olhar.


tomou-me como primeira expectativa e nela manteve-se vivo.


assim ressuscita o que de melhor em mim floresceu.


das cartas de papel o jogador noturno e solitário fazia um simples castelo


levou a mera distração como missão maior. assim se seguiu o tempo...


com o que sentiu construiu um lugar cômodo

silencioso.


espécie esquisita de refugio sem fuga



exílio distante que não causa afastamento corpóreo.
.
.
.
.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário