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VERÍDICA OU QUASE
lembrar do momento mágico em que empurrei aquela porta de
alumínio, com toda a permissividade de uma poesia necessária, é como lembrar de
meu próprio nascimento em sentido inverso.
Minha vida estava seguindo uma direção contrária, levando-me
ao começo, quando eu nem tinha nome, quando talvez eu já pertencesse sem saber
àquele lugar escuro em estado de feto.
Eu sempre soube que conseguiria. Retornar ao lugar de onde viemos. Voltar ao pó, ao Éden antigo, ao útero protetor da mãe. Essa sensação pueril, de que aquele lugar era
pra onde o tempo me conduziu por toda minha vida, forçava-me a um riso que não
se desfazia.
havia uma pequena
escada, que nos tempos decorrentes tornou-se o lugar onde costumávamos
conversar. A escada da dialética, foi assim que a batizamos. Sentados nos
degraus dela, ficávamos a discutir dos mais sérios aos mais bizarros assuntos. Ela
era uma espécie de limbo divertido onde gargalhávamos, chorávamos, trocávamos injúrias e juras de amor num estágio último antes
de entrar no palco.
Vencendo a escada da dialética, com seus degraus revestidos
de mármore barato, bastava que abríssemos uma cortina cortaluzes, empurrássemos
uma porta de vidro e lá estava ela, a
escuridão da caixa cênica.
Era como se desde um único movimento do corpo,
depois de alguns míseros passos, a realidade mundana passasse a nos ser apenas uma
matéria prima, incompleta em formas lá fora, infinitamente mutante e excessivamente inteira do lado de
dentro.
Fiquei completamente tomado
por uma felicidade pueril. Falando como um religioso
falaria, eu estava cheio de graça, sem a sarça e seu fogo, porém, ainda assim,
diante de um deus que me transformava.
Um rapaz ficou ao meu lado, fingindo ser ranzinza. Usava óculos afeminados e um
chapéu panamá, estava com as mãos sujas
de graxa e parecia muito irritado. Tinha uma voz fina, estridente, apesar de ter em tamanho o porte
largo e avantajado de um homem que por convenção teria que falar grave. Ele gesticulava, pedia-me cuidado, com sua voz de velha. Era antipático e ao mesmo tempo divertido. Parecia ter também nascido naquele lugar. era um irmão que não pude ter conhecido nessas curvas.
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-Puxa vida... que coisa mais fantástica! – eu disse mais como
quem fala sozinho, maravilhado com as dimensões do urdimento. Sei que o rapaz resmungou algo, não me importava, não lembro
mais o que ele disse e talvez nem o quis ouvir. Não consigo lembrar
nada além daquela escuridão viva e cósmica da caixa italiana, que me envolveu e
me acolheu, como um pai que reencontra o filho pródigo.
Que bons momentos.
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