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VERÍDICA OU QUASE
Naqueles tempos, os computadores portáteis ainda não faziam parte de nossos corpos. Ficávamos sentados na escada da dialética a discutir a respeito de tudo que nos fizesse distrair. Na cidade de circos, o grande teatro velho já não era mais o mesmo, precisava ser arrumado, organizado. O teatro velho precisava recuperar uma dignidade que nunca lhe pertenceu. Aquele lugar era como um templo sem fé.
Entre as bonomias e indignas bobagens, o que procurávamos era a fé.
Já desisti de muita coisa. Já desisti por dinheiro, por posições mais vantajosas. Mas, recuperar a alegria do teatro velho, limpá-lo da religião adoecida que o corrompe, direcioná-lo para o seu deus de origem, voltar a percebê-lo como um lugar cheio de graça, era um desafio tentador. Nunca pude desistir do teatro velho, apesar de já me ter chegado mil vezes ao ponto disso.
Na cidade havia dois grandes grupos de artistas, divididos entre si em sistemas de crenças e linguagens. Porém, o grupo mais letal ao teatro, tratava sua arte com tanta leviandade, que para desenhá-los aqui precisarei de paciência e muitas, muitas palavras precisas. E eu não sou de palavras precisas. É a imprecisão dos termos que me fascina. falarei então destas criaturas mais tarde.
Não vou entojar meus leitores, por enquanto, com narrativas que tratem do que detesto, do que eu gostaria que fosse pulverizado. Acredito no teatro como um caminho de salvação para a alma. Não falo desta salvação deturpada pelos cristãos mundanos, com seu sistema canino de tarefa e premiação. A salvação proveniente do teatro não caberia num único livro. A salvação que falo não elege um juiz escravo de palavras escritas. Qualquer texto para o teatro é apenas texto. O sentido universal dessa arte está na ação que executa e na reação que colhe, sendo espanto, pranto, gargalhadas, risos tímidos, aplausos ou não.
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