sábado, 17 de novembro de 2012

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VERÍDICA OU QUASE




ontem eu não conseguiria dormir, mesmo com muito sono eu continuaria aceso.


Tres  da madrugada e eu continuava a zanzar pelos corredores. Não era a insônia dos preocupados, era a de quem não quer fechar os olhos. Fiquei procurando coisas de comer. Como nada encontrei resolvi assistir a um filme que tratava de orquídeas e insetos.




No filme havia um escritor que sofria. As caricaturas de escritores sempre são assim...
sofredores nem um pouco peripatéticos.
Escritores são sofredores sentados.

Isso me parece risível. Mas se é caricatura...


Olhei ao filme sem me importar com o enredo, me chamava a atenção as imagens das orquídeas a fazer amor com insetos. Dizia-se que cada inseto procurava em sua curta vida encontrar a sua orquídea, aquela que a ele fora designada para que polinizasse a terra. Bonito, isso em frase ficou em mim como uma boa melodia.



Mas eu não queria ficar quieto diante de uma máquina ruidosa, naquela época eu ainda insistia no romantismo de uma Olivetti, por isso, por estar cansado daquele bate bate, me levantei a zanzar novamente. Foi quando encontrei a velha senhora que me criou a me observar com muita preocupação; ela estava ali, viva ainda, com as mãos nas cadeiras. Eu a olhei e sorri como quem disfarça uma travessura. Justifiquei que estava tudo bem, que eu só tivera um dia agitado e nada mais. Contei-lhe que ouvi frases que ficaram registradas em mim mas que eu não sabia como explicá-las como algo marcante, pareciam simples mas me atingiam. Algumas eram boas, outras eram de me amargar o juízo. Mas eu não estava acordado por culpa das palavras do alheio, eu estava acordado por meu querer mesmo.

Quer um leite? Ela indagou. Eu aceitei. Era de madrugada e aquela mulher de oitenta e cinco ainda me acalantava como se eu fosse o bebê de outrora. Senti muito carinho por ela. Foi nisso que segui a recomendação de Belleine e lhe fiz um afago. Em seguida lhe pedi um abraço. Ela veio lentamente, perguntou se estava tudo bem. Eu disse que sim e me deixou abraçado a ela. Ficamos assim um tempo... é... ela tem o mesmo cheiro que ficou na minha saudade, roupas muito bem cuidadas, lavadas com uriza. Quando fui embora daquela casa e não mais voltei?




Eu me lembro de quando eu era criança e a senhora me deitava sobre suas pernas. Eu sei que se lembra. Sim, lembro também que foi um tempo muito difícil. Alimentar onze pessoas numa terra nova e estranha. Não foi fácil. É, com certeza não foi fácil.



Permanecemos muito tempo em silêncio. os galos faziam seu útil papel inútil.



Quer que eu faça um chá? Ontem eu fiquei preocupada com seu estado. Isso não deve lhe preocupar, estou muito bem agora...as dores passaram depois dos seus chás, é sério! Não precisa de chá não, vá dormir, vá.

É preciso que se cuide.

Eu sei. Vai ficar tudo bem, a dor física passa logo, é sempre assim.





Um peso magistral que me empurra para o centro da terra...

eu gostaria que o tempo voltasse...


leveza.

Kundera disse que os estados desse gênero podem revelar uma leveza insustentável. Eu estava ali abraçado à velha senhora, sentindo seu cheiro, sentindo vontade de chorar, sentindo vontade de ser criança novamente e ser feliz o dia inteiro, e ter medo dos escuros do quintal, e ficar ansioso nos finais de tarde a esperar o retorno de meu pai que a mim sempre trazia elefantes de açúcar derretidos levemente pelo calor de suas mãos vigorosas de pai.


O que desejar?

Dormir no colo da velha senhora e esperar, aos fingimentos de sono pesado, ser levado para a pequena rede que se esticava num dos cantos da palafita...

Sim... depois perder o sono e descobrir que fingir dormir é pior que estar acordado.






Coisas estão despertando em mim. A relembrança marca seu início.


Posso dizer agora que sei que a qualquer segundo devo reencontrar a perdida alma de meu bennário.

E será nesse mesmo instante que me tornarei novamente o que fui.
Aquilo que agora já não sou.

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