quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

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Depois de quase desistir e voltar à insônia, dissolvi o resto da noite nesses bocejos que enchem os olhos de lágrimas. Tive quase que me arrastar na busca dos remédios cor de contas. Eles se escondiam nas dezenas de velhas e trancafiadas gavetas do meu quarto, onde blatídeos a tudo empesteavam. 

Se quase tudo tinha um cheiro entre o mofo e a naftalina, era porque tudo, inclusive eu, estava guardado ali, como num baú de insignificâncias, cultivadas na vã espera de ressecar aos poucos ao invés de simplesmente morrer.

Ressecar e permanecer eterno, suspeito, é como um sonho dos que envelhecem. 

Como negar um medo, o mesmo que até há pouco chamei de infantil, um medo que me acompanha como uma tocha que mesmo nos ventos mais fortes não se apaga?

E os remédios também davam ares de insuficiências. A última dose, anterior à noite de agonias, não tivera efeito e por causa disso não apaguei como desejara. E eu me vi apenas impotente, como se enterrado vivo, sentindo na inércia, os insetos me  roubarem  em agonia, o sangue, sem que eu os pudesse esmagar.

 Desapontado, concluí que eu carecia adicionar mais cores ao punhado de psicotrópicos, barbitúricos, calmantes... antidepressivos... analgésicos inúteis e fugas.

Adicionar mais e mais cores às minhas fugas. Uma alegre ironia dos planos.

Enfim, engoli a dose seguinte, três goles a mais, a garganta seca. 

No peito a suspeita: não seria apenas covardia? E se fosse um tiro? Na garganta? Uma corda que separasse o pescoço da espinha, ou mesmo um gás que me estourasse o peito? 

O amargo da química escorregava como um bolo travoso e insuportável. Por dois segundo fui senhor de minha razão, senhor das minhas últimas decisões.

E tudo veio surgindo. Fantasmas em mim. Vinham surgindo como surgem os arrepios...

E o arrependimento, apenas um sonho distante no qual eu poderia ter me agarrado, uma quimera invencível diante de um fraco...

Aos heróis de si mesmos, tudo o que afaga mora no passado.

E foi assim...

Descobri que o futuro é um não querer pensar por já se estar farto da espera; um tecido negro que encobre o jardim florido; um pássaro livre que nunca voa porque não se reconhece sem a flor do chão.
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