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"Ainda não começou", a voz doce da desconhecida, seu hálito amargo de quem é fumante; sua boca sussurrava em meu ouvido direito.
"Te enrola neste tecido", ela continuou. O tecido que a estranha das sombras me indicava estava aquecido pois estivera sob ela por algum tempo. Então ela pediu pra que eu deitasse em seu colo, eu deitei, pois dela eu não sentia pudor algum; aquela sala onde estávamos era como uma roupa limpa que ocultava de todos nós, que estávamos ali escondidos também das vergonhosas de nossas vergonhas. Foi quando algumas luzes se acenderam e a mesma sonoridade da chuva lá de fora invadiu o lugar.
"Alexandre viveu um frenesi de excitação e glória, e a tal ponto amou a guerra que em seu espírito jamais conheceu uma hora de paz". Eu balbuciei essa frase inteira quase no ouvido esquerdo da estranha. eu não sei o que me deu para dizer essa frase, que guardei na memoria por toda minha vida, retirada de um velho livro de história. não recebi nenhuma resposta depois de minha atitude, meu ataque de doidice, e isso me entristeceu um pouco.
Assisti todo o espetáculo e saí de lá já percebendo que a chuva dera lugar ao céu de uma lua soberana. uma mulher de uns sessenta anos agasalhou meu rosto entre suas mãos, sorriu medindo minha fisionomia, como se me conhecesse de muito tempo e por muito tempo não me reencontrasse. Então ela disse:
"Quem pode nos garantir que sentimos paz alguma vez em nossas vidas?"
Era a mesma mulher desconhecida a qual havia me dado seu colo para descansar. reconheci seu cheiro e o seu toque das mãos. Os encontros repentinos têm a sua aura de eternidade. E desde o momento em que aquela criatura se afastava de mim, pude sentir dela uma falta absurda, como se ela fosse algo que nascera para que eu perdesse, como um cordão umbilical.
caminhei e vi que o mesmo homem atarracado retirava o cartaz que se prendia na árvore.
Eu não conseguia deixar de pensar no que havia acontecido naquele esquisito teatro. Uma transformação em mim me fazia querer desistir do encontro com Lola. Fiquei até pensando que Lola, para brincar comigo, se disfarçara daquele teatro que cruzara meu caminho, só para tocar meu coração, só para que eu não conseguisse me livrar dessa necessidade que tenho de jamais permitir com ela me reencontrar. Era como se Lola se escondesse nas coisas que eu amava. Era como se ela só fosse possível de existir escorrendo do viço da essência de tudo o que eu amava..
Quando cheguei ao velho cais abandonado não fiquei surpreso...
Uma figura que de costas pra mim recebia lufadas de vento do rosto. eu havia me esquecido qual a frase ensaiada, qual o modo de não assustá-la com a surpresa de minha presença.
Quando ela voltou seu rosto a mim, tudo o que eu pude dizer quando seus olhos me encontraram se resumiu numa palavra:
"perdão!"
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