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Se eu fosse acometido por uma faísca de coragem eu indagaria: como é ser tão bonita? qual é a sensação de se olhar no espelho a saber o tamanho de sua beleza?
Na certa, se eu carregar a imagem de seu rosto, torná-lo uma tiracolo de meus pensamentos, em três dias esse zahir já se terá tornado paixão. Mas, como no filme, se eu fechar os olhos e acreditar na transposição do portal, encontrarei Fernanda com seu sorriso a me cativar, medindo-me disfarçadamente.
Agora, vez ou outra ela deixa escapar o presente. suas frases tornam-se grotescas, apesar de inocentemente incoerentes. sinto que nela há aquela solidão dos asilos, dos que com o passar dos anos vão lentamente se preparando para ficar sozinhos, como as velhas leoas.
O corpo que agora ainda está vivo me é a prova que no passado, cheia de vida, minha musa andava pelo Leblon, atraindo os olhares cheios de pecado, cheios de injúria, inveja e desejos. Por isso a voz de Fernanda me soa como a voz do passado; a voz da formosura do passado.
Como é ser tão bonita assim?
Como é ter sido tão bela?
Como é saber que a beleza se foi? e o que resta? é esse orgulho de ter sido bela? de ter tido o mundo sob os calcanhares?
eu próprio olho para meu resto e quase já não me reconheço. Isso causa certa tristeza. Minha feiúra agora ainda é mais feia.
Quase chego a pensar que o nosso julgamento de beleza é mera distração. assim, beleza seria apenas juventude.
Então me vem uma outra indagação: quando eu estiver certo de meu último suspiro, qual será nesse instante a imagem que farei de mim mesmo? Qual será o formato de meu rosto? será um rosto do menino que fui? será o rosto cansado e curtido de um velho?
Se alguém viesse a mim e dissesse; Fernanda morreu! formaria-se em mim a imagem da bela mulher sob um véu translúcido, como uma bela adormecida, tão viva e tão sem vida?
Se eu passar a amá-la, cheio de um fervor repentino, como virá a mim em sonho o seu rosto?
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