Confusas, as ruas desenhadas, de início, eram para mim um terrível labirinto. para uma criatura que por trinta anos se submeteu ao exílio num espaço não maior que um confessionário, posso sem timidez compará-las a um universo muito maior que minhas capacidades de cruzá-lo. Elegi, para que minha vista se acostumasse às novas dimensões, uma janela que do alto de onde estava, mostrava boa parte das principais avenidas. escolhi aquele lugar como um refúgio na imensidão da casa vazia. Dali eu pouco saía. dali eu, entre o tempo e a espera por nada, criei mundos subterrâneos; construí novamente os alicerces que suportariam o peso de muitas novas crenças. Não, não posso nominá-las de novas crenças, mas posso dizer que tive que buscá-las novamente, e assim reencontradas, senti-me na obrigação de guardá-las como se fossem a velha agulha imantada que me direcionaria à novas buscas.
carruagens, fiacres, automóveis, aeroplanos, saltimbancos, homens elegantes sob cartolas, mulheres vestidas em malhas, luzes e imagens em movimento, homens das cavernas e criaturas supremas em si mesmas...
tudo dali eu via, não assustado, extasiado, escondido no meu lugar inalcançável, que só vez ou outra era ferido pela presença de Estácio, que silenciosamente trazia o que comer e o que beber.
O velho mordomo por algumas vezes se detinha ali, como quem reluta em não manter silenciosa alguma fala, alguma pergunta. mas em seguida respirava fundo e descia as escadarias.
no final das tardes eu ouvia um piano, invadindo os espaços entre mim, a casa, e .... a desventura da janela. as repetições de quem memorizava, o erro conivente com o meu desejo que me implorava para que aquilo terminasse. mas quando terminava, o vazio sonoro ainda continuava preenchido pelas tentativas. tentativas....
tentativas. que outra coisa poderia melhor impulsionar a vida?
noites caiam, dias renasciam e eu e a janela e a visão da cidade íamos a nos tornar algo novo, que espera seu tempo sem saber o que significa esperar.
a carruagem da rainha cortava o lusco fusco diligentemente, todos os dias. eu podia ver suas luvas brancas reveladas por acenos aos súditos que se aglomeravam e também gesticulavam em reverência. os sinos da velha catedral de meia em meia hora destrinchavam o tempo. com isso, algo com o qual eu já me desacostumara, percebi em mim novamente que o tempo passava...
indaguei-me por conta de que os homens precisam tanto assim de clepsidras.
se eu pudesse, ali mesmo, inventaria um modo imperativo de convencer todos a se perderem em segundos, como se estes fossem séculos.
a mim, os séculos diminuíram em tempo, e os segundos, ao inverso, eram moradas de planos infinitos.
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