domingo, 2 de outubro de 2011

PREFÁCIO DE QUALQUER COISA - 3

pedi para que Estácio arquitetasse um modo de deitar tudo fora, tudo o que naquela casa me remetia ao tempo de minha ruína. Assim ele, o criado,  um tanto feliz por minha volta e por minhas novas ordens, tratou de cumprir tudo com uma agilidade que mal cabia num velho.

"Estou contente, perdoe-me senhor, estou contente com o seu retorno", ele me disse logo que nos primeiros dias teve oportunidade. "Perdoá-lo por estar contente? Ora Estácio, sou praticamente como um filho seu. A lógica está em perceber alegria em você. Sabe, porventura só me agrada essa sua alegria, as outras, eu saberia se tratar de qualquer falsidade".

De fato, algumas velhas ensaiavam cumprimentos, mas logo, assustadas ou fingindo tal estado, para me agredir silenciosamente, se afastavam e sumiam a agitar seus leques. Nunca pensei que o nervosismo pudesse causar calor. talvez por uma aceleração na corrente sanguínea, ou pelo retesamento muscular causado pelo susto e pelo receio em alto grau. Mas bastava que eu me aproximasse, para que as velhas se danassem a agitar seus leques. No começo, tal atitude me imprimia certa curiosidade. posteriormente veio-me, com isso,  um humor sutil. Mas confesso, que depois de esgotada a minha paciência, passei a me divertir e a assustar as pobres velhas, fazendo caretas e imitando seus trejeitos  falsamente europeus.

Estácio deixou a casa limpa, ampla e sem móvel algum. Indagou-me qual seria o próximo passo. eu lhe respondi que ainda nada disso eu tinha pensado. porém, a casa ampla causou-me um certo bem estar, talvez por conta da sonoridade que o ambiente acomodava. todos os ruídos externos me pareciam sinfônicos, e mesmo falando aos sussurros, minha voz ecoava pelos longos corredores e se inflamava com num coro de trezentas vozes.

gostei da casa assim, vazia e livre. ampla e limpa.

era assim também o que em mim eu via: amplidão e possibilidades.

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