.
.
.
.
.
A DESIGNAR UM SONHO
A madrugada me acordou. eu sinto dores muito fortes e penso que não há remedios no armário e com isso observo o alívio ser levado pela corrente - como a sandália que perdi quando criança. meu pai me olhou com um olhar de acusação, um olhar que me denunciou sendo um descuidado. mas em certo momento pôs-se a rir."vai ver que queria ser barco", ele disse. enxugou minhas lágrimas com seus dedos ásperos e comprou-me um novo par.
lembro disso com lágrimas em mim.
sinto saudades de meu pai. sinto falta de seu silêncio e de seu sorriso tão raro.
senti-me parte dele diante do choro de minha filha. quando ela me costuma olhar como quem pede um carinho, como quem espera de mim um gesto que não terá de ninguém, eu me sinto nessa cadeia atávica que meu pai colocou em meus pulsos.
passei a infância a atravessar rios. boa parte do que sou agora ainda atravessa rios.
agora navego naquele que definitivamente me retira das margens e me lança em busca de oceanos.
.
.
.
.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário