carrego um bojo estranho, mais estranho que a palavra bojo. carrego um vinho que não bebo. distanciado de mim, por esse caminho que a vida toma. um caminho de "irmos" e "voltarmos".
digito este texto aqui de um lugar de onde posso ouvir os risos da platéia, é um ruido como o ruído da arrebentação, fim de um ato, fim de uma suspeita. carrego um vinho que não bebo. aquieto-me distante em terra firme. sem poder para reverter a clepsidra. sou o cara que perdeu milhares de pérolas num trigal.
Depois de escrever a memória número vinte, alguns dias depois, recebi a notícia de que minha mãe não anda bem. disseram-me que sua mente está se apagando, que ela já não é mais quem por inteiro foi. e por estes dias estou a ponto de encontrá-la assim, como quem me olha e nem me entende no que olha.
a imagem do mar me é a imagem materna que se construiu em mim desde essa mulher...
imagem de quem nunca desistiu de me fazer sobreviver...
e eu sobrevivi?
não seria a escrita ao inverso? testar seu heroísmo seria mesmo a tarefa divina deixada em suas mãos?
eu sobrevivi para quê? i
é, pergunta movente, combustível insosso e invisível.
levava-me pelas mãos, todos os dias, desde meus cinco anos numa busca insensata por aulas de desenho e artes. minha busca nunca cessou mesmo depois dela. eu ainda não encontrei o meu traço. rabisco ainda como em cavernas, e ainda nem sequer cheguei diante da possibilidade de conseguir me expressar com estes garranchos nítidos do procênio, do modo como espero.
e eu continuo. ainda continuo. diga-me a verdade antes de partir...
há verdade?
(dedico esta publicação a você, que inspirou a personagem que nomeio de "velha mulher"...)
http://www.youtube.com/watch?v=lU6zbbjiefU
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