A ZONA DE ESTRANHAMENTO - parte 1
Observemos a imagem abaixo:
Trata-se de um trecho da Sinfonia No4, catalogada como K19, de Mozart. A imagem não mostra os legatos, nem outra qualquer anotação de articulação, porque o que interessa aqui é a primeira impressão que se tem quando se enxerga essa imagem. Posteriormente vou voltar a esse tema com mais minúcias. Por agora, deixemos as minúcias de lado e o cuidado com o método, para que eu possa discorrer livremente a respeito do tema, de acordo com minhas intuições.
A primeira reação está relacionada à perda do controle e das próprias vontades, criando assim um vale, uma zona planificada de estranhamentro. Ler significa decodificar em sons audíveis e modulados por regras o que está exposto aos olhos em forma de signos fechados (um conceito elaborado por mim, mas depois vou atrás de referências e conceitos mais sólidos). Está relacionada também à decisão de realizar a tarefa de decodificar o que está escrito, algo que trafega entre necessidade simples e auto desafio também simples. Como violiniilista, meu plano seria decodificar com auxílio do meu instrumento o que meus olhos vêem. Mas essa tarefa se dá com total desprendimento, por conta de uma também total descolagem da tradição violinística.
Notem que no parágrafo anterior referi-me a mim mesmo como violiniilista. Eu inventei essa porra. Tá na cara que é a junção entre as palavras violinista e niilista. Se você não sabe o que significa niilista, nem sei o que faz lendo meus textos. Mas ainda assim vou copiar e colar o que achei na internet sobre esse termo muito usado na filosofia contemporânea. Niilismo caracteriza-se pela rejeição de valores tradicionais, ceticismo em relação à verdade absoluta e descrença no propósito da vida. Bem, se isto aqui fosse um artigo científico, eu teria que dizer de onde tirei esse conceito. Mas isso aqui não é um artigo científico, são só coisas que eu estou a fim de escrever e isso é o que me basta.
Voltemos, então:
Até então a minha relação com o instrumento, com o seu soar, tratava-se de um manuseio livre, com o propósito de dar uma abrangência maior às capacidades de meu corpo emitir sons ou ruídos. O mesmo acontece com a fala, com nosso aparelho fonador. não sei o que acontecia comigo, com minha consciência, enquanto estive por alguns meses mergulhado no líquido amniótico dentro da barriga de Dona Noca, minha mãe. Mas sei que a partir do momento em que tive o primeiro contato com o ar da atmosfera terrestre, eu gritei como um louco. Aquela foi a primeira vez que eu ouvi meu próprio som. Não sei se me assustei com isso. Como eu me assustaria se nem mesmo o conceito de susto passava por minha cabeça. Eu nem era eu antes daquele grito. Taí uma coisa boa e poética de se pensar: A partir do momento que gritamos logo após sermos expulsos de nossa era líquida, começa a construção sonora de nossa personalidade.
Caramba. Gostei disso. Vou parar por aqui pra pensar um pouco. Preciso estudar o humilhante concerto No4. Mas depois disso retornamos à investigação a respeito da zona de estranhamento.
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