A vida dá uma volta inteira, de um ponto ao outro e, se você tiver cuidado com seus amores, eles possivelmente voltarão a lhe encontrar em pontos inusitados do caminho e, esses reencontros, caso você tenha seguido ao conselho do cuidado, serão pacificadores, porque não há melhor paz de se sentir que essa paz oriunda do bem amar.
Nos meus velhos escritos, a melhor maneira que encontrei de representar esse amor furtivo e eterno foi através de alegorias que, sinceramente, por pressa com as palavras e falta de cuidado com as letras, não foram alegorias fáceis de materializar. Foi assim que surgiu uma cidade inteira habitada por títeres, milhares deles, manipulados por um marionetista velho e rabugento. O marionetista, criador daquela cidade-mundo se revestia vez ou outra de um personagem, pra personificar e construir histórias, enredos. E o melhor de seus personagens deuses foi um que vivia em busca de um único objetivo: fugir, afastar-se, abster-se, isolar-se. Sua vida era invariavelmente uma busca insana se libertar daquilo que o aprisionava. E o que lhe aprisionava era o próprio sentido da vida. O que mais ele desejava era um olhar e um viver sem sentir, tal como uma árvore, um moinho de vento ou uma gaivota.
O sentir arruinava sua vida. Era pelo sentir que ele sucumbia a paixões, dores, medos, alegrias, felicidades, tolices sentimentais e paz.
Uma outra alegoria era um moinho de vento, que só girava quando o vento era forte suficiente. Nada havia de sentimento ou razão entre o jogo criador entre o moinho e o vento, entretanto, ali se fazia um segredo cósmico, pacificador de buscas. Se o moinho girava havia vento forte. Mas o moinho envelheceu e suas roldanas começaram a travar como os joelhos de um homem idoso. Assim precisava o vento ser cada vez mais forte para fazer com que as hélices do velho moinho rodopiassem. Até que o vento se fez forte demais e destruiu o moinho.
Amores cuidadosos são ventos cuidadosos, que em determinado ponto do enredo descobrem que haverá um dia em que o moinho não conseguirá mais girar, tremerá somente num pálido torpor, mas ainda assim, chegando bem perto os sentidos, dará pra notar um leve trepidar nas hélices, uma vontade oca e cálida, algo como uma sincera gratidão, como na tarde um resto de perfume de um amor intenso e matinal de outrora.
Qual alegoria devo conceber para estes meus dias de orquestra? seria a orquestra o vento? seria eu o moinho? velho que estou até gosto de parecer um moinho. Não sei se já é o ponto de confundir orquestra com música. Mas agora sinto que quando estou dentro da orquestra, só há aos outros um sentido palpável nisso, um sentido justo por ser óbvio, soar. Mas pra mim estar ali não significa soar somente. Tem muito mais nisso, mas por agora nada sobre isso consigo formular.
O que posso dizer é que tudo o que agora vivo um dia foi profecia. É um pouco assustador testemunhar o cumprimento de uma profecia, principalmente se nele você está, mas é libertador também, porque sentimos em nós o olhar atento do cosmos, como se fossemos peça importantes no tabuleiro dos deuses.
Justo nós, que nos julgamos tão pequenos.
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