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É duro exercer a função de servidor público?
Antes eu sentia um pouco de vergonha de ter chegado a isto. Caramba, servidor público ainda soava como derrotismo pra mim, espécie de fundo do poço. Mas não é mais assim. Estou aqui porque mereci, e até os últimos momentos aqui tentarei manter a dignidade. E se eu ganhasse muita grana? Estaria assim... insatisfeito?
Conheço gente assim insatisfeita. Pro conceito geral não passam de doidinhos sem noção.
O amigo DAKO, técnico de som, para me pilheriar (por uma brincadeira afável) chama-me por algumas vezes de filósofo. O DAKO não é um cara ruim. Ruins são os filósofos. Bem, mas eu não sou filósofo. Minhas questões são muito simples pra que eu seja um filósofo... mas acho que sou ruim. É, sou ruim sim. Talvez meu comportamento nem mele a malandragem de muita gente, seria uma pretensão, é por isso que sou ruim. Talvez meu comportamento seja desnecessário porque a prevaricação nunca acabaria depois de meus gestos, que no seio de algum outro sistema moral além do meu são também vistos como prevaricatórios. E assim, por conta desses pensamentos atabalhoados, acabo me sentindo só, não por me considerar o LÓ da história, mas por ser desnecessário como a sogra curiosa, e por ver minhas atitudes n o espanto do sal e do tempo. É esse desdem pela curiosidade que justifica a brincadeira do DAKO? Acho que não, ele me elogia.Quer talvez sugerir que penso no imponderável. Isso é bacana. Eu poderia passar dez anos aqui lambendo a doçura desse sarcasmo. Pensar no imponderável é legal.
Bem... eu poderia então, depois de alcançar a solução para o imponderável, acordar certa manhã e decidir agir de modo contrário. Eu poderia exigir algo por fora pra fazer meu trabalho. Eu poderia só aparecer de vez em quando no meu local de trabalho e ainda assim continuar recebendo minha grana com esforços bem menores. Eu poderia me conformar ao ver que meu local de trabalho está caindo aos pedaços, que é regido por uma gente de pelerine tão competente quanto os engenheiros do RAIMUNDO FARIAS.
Alguém me advertiu para não falar aqui de certas coisas... caramba, sou um servidor público.
Sei lá. Certa vez alguém me ameaçou um pouco de canto, dizendo que eu poderia ser simplesmente mandado pra outro lugar e tal. É bem difícil isso de suportar imbés a te ameaçar, é comparável a um bandido armado te humilhando... ele possui uma arma que talvez nem esteja carregada. Mas por outro lado, que imbé pode contra um servidor concursado? Que arma poderia desarmar um servidor ciente e fiel à sua função? Quem pode contra mais de um de nós? Que poder poderia nos corromper se não nos deixássemos corromper? E se os bons se unissem? Se se unissem definitivamente? E olha que eu não sou tão assim a favor da moral. Pois eu digo sim: se servidores se tornassem mais fortes, essa canalhada não faria o que faz, esses politicos não abririam suas asas por aqui.
É fácil botar a culpa na gestão. É fácil chupar nas tetas da gestão e quando a coisa fica feia jogar nela os bichos podres. É fácil ficar calado. É fácil dizer de quem reage: veja só, é um frustrado que está assim porque não ganha o que aqui ganhamos.
Vergonha é por troca de dinheiro desconsiderar sua própria conduta? É tão esquisito quanto se dizer crente para não perder a vagina diária? Mas sei lá... talvez eu seja um chato mesmo. Talvez eu esteja mesmo só embassando... ninguém liga... é só um mala sem alça... deixa ele se bater sozinho... gente assim como ele não chega a lugar nenhum... quem ele pensa que é? ... nem tem onde cair morto.
Mas reitero aqui o que já prometi. Nada tenho a perder. Reitero aqui uma promessa que fiz num lugar fechado: o ministério público, o público, a vergonha e o ministério na cara poderiam dar um jeito em tudo? E se isso não mudar até o final do ano não vou escolher a forca?
Sou um funcionário público sim.
Sim. Poderia ser mais simples. Eu poderia apontar o nariz para alguém e dizer: me envergonha trabalhar ao seu lado, você é tudo o que não ensinarei à meu filho, seu filho da puta. Você é um moleque fraco que se vendeu... um ladrãozinho de merda. Eu poderia apontar o nariz para os outros e dizer: vocês deveriam ter vergonha na cara, trabalham há vinte anos nisso, nesse mesmo lugar, nessa mesma pocilga e nada fizeram que não fosse uma tentativa desesperada de não perder o favorzinho ganho. Por quê? Cambada de sacos de ossos, que agora adoece gravemente e nada recebe de acalanto das mãos que tanto azeitou. Estão velhos, decréptos e desvalidos de qualquer vontade de caminho.
E ainda tenho os colegas com um maldito comportamento comedido, um detestável sorrizinho amigável. Uma política velha e conhecida dos sobas. Pessoas que escondem a cara e só mostram quando percebem o foco de luz pairando por ali pertinho. Se gente assim valesse o que pisa... se eles tivessem coragem de agir do modo como pregam...
Mas tudo bem...
É que estou estressado... talvez...
Amanhã devo acordar... levar o BODELÉ pra fazer suas necessidades na sarjeta... talvez eu não queira fazer nada por nada... talvez eu conclua, como muitos, que devo buscar coisa melhor por concluir que o lugar onde estou é muito pequeno para o meu tamanho, para a grandeza de minhas competências, para os meus pequenos sonhos e utopias. Mas puxa... talvez eu acabe me convencendo de que não é nada mal não trabalhar e receber... ou trabalhar só para pagar a manutenção de uma pequena vaidade. Quem sabe por dinheiro eu me torne algo muito fácil e pequeno. Quem sabe eu até aceite a denominação que me dá o meu amigo DAKO, filósofo. Bem... mas nesse caso eu preferiria que me chamasse de cínico. É sempre bom mandar ALEXANDRE sair da frente da porra do sol...
Quem sabe amanhã eu suporte ver sem reagir alguém a fazer com meus colegas o que bem entende fazer sem sentir vergonha de mim mesmo.
Quem sabe amanhã eu só faça o que tenho que fazer se um miserável qualquer pesar minhas mãos com umas miseráveis copeicas.
Quem sabe amanhã eu aceite de uma vez por todas me converter a ser um bom homem e assim deixar de falar asneiras.
Mas por agora, antes de dormir, continuo acompanhado do mesmo deus sereno, minha consciência limpa. Tenho um nome, sou funcionário público e não tenho medo.
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