quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O APRENDIZ DA ROTINA 1


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29, outubro, 2014... 8:30

Acordar bem, sem dor, é um prazer pra mim, é um prazer que quando me alcança, traz junto uma certa alegria. Fico me indagando se prazer tem algo com a felicidade. Felicidade deve ser sempre prazerosa? Se o inverso do prazer é a dor, coisa que não acredito, existiria felicidade na dor?

Deixo a resposta para os cristãos.

Enquanto escrevo, Rainha Victória se deita no meu pé direito. Talvez seja seu modo de me dizer coisas. Francesca Woodman está deitada ao longe sobre uma toalha vermelha. Sua pelagem branca parece estar ainda mais branca hoje. Dormindo, Francesca nem parece tão feroz e selvagem.

Hoje não acordei sem dor,sem alegria. Aquela respiração profunda, sorvendo o ar purificado da manhã eu não dei. Todas as pequenas rotinas, os pequenos afazeres do meu dia a dia parecem estar carregados de um desprazer.

Além do mais, acordei com fome,com o estomago vazio. Pensei em comprar aqueles pequenos sanduíches que o Marcelo trouxera para o lanche há alguns dias. Pensei em ver as horas,lembrei-me que quebrei o celular anteontem,não lembrei que as horas estavam no cantinho inferior da tela do computador. Olhei pro relógio quebrado pendurado na parede, amarelo e empoeirado, com um certo desconforto. Difícil escolher entre os sanduíches e os comprimidos. Os sanduíches custariam um cinquenta centavos, os comprimidos um real e cinquenta.

Depois que adotei Sacha o trabalho aumentou. O intuito foi que ela fizesse companhia à Safira, que sempre me pareceu se sentir muito sozinha na companhia de um cara taciturno. Sacha é bem no molde da receita que  minha vontade me passou,é tão hiperativa que irrita, até mesmo Safira, que por conta disso, dessa hiperatividade lancinante de Sacha, tem estado amostrar um comportamento diferente.

Há um pequeno saguão que leva à porta do escritório e à entrada do atelier. Há grades tanto na entrada principal quanto na entrada do atelier. Vou chamá-lo de saguão das chaves, porque suas tres portas gradeadas exigem de mim um abrir e fechar de cadeados que está além de minha paciência e compreensão. É neste espaço que mantenho as duas quando preciso cuidar do jardim.

Hoje foi difícil executar as tarefas rotineiras. A dor parecia querer aumentar a cada vez que eu ensaiava um movimento brusco. Resolvi não cumprir a rotina de lavar o saguão das chaves, limpar o gramado, levar as meninas pro passeio matinal. Lembrei que poderia ter grana em minha conta do banco do estado. Subi na 125 e saí cortando as ruas do Sideral.


Pra encurtar, não tinha grana na conta.Voltei puto e refiz o caminho em busca das moedas. Quando estou sem grana, as moedas de cinco centavos encontram uma razão de existir. Fui e voltei com quatro pães e oito comprimidos encharcados de orfenadrina, a única substância capaz de controlar a minha dor.  Engoli alguns nacos de pão e bebei água com dois deles. Agora sim respiro fundo, porque respirar fundo parece ajudar a ciência fazer a dor passar.


São nove horas.Preciso me mandar pra galeria. A dor diminuiu quase a zero. Os comprimidos fizeram um efeito rápido.
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