quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

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Quando ela soube  da sorte do pai de João N, no fundo de sua alma sentiu-se vingada. Uma vingança rastejante sim, e que não se realizara por suas mãos. Queria ela mesmo ter esmagado aquele verme. Lembrou-se do dia da fissura. Lembrou-se que teve que lamber a língua do próprio demônio por causa daquele homem. Por causa dele teve a certeza que toda bondade é inútil quando já se habita no inferno.

No começo se manteve apegada num cristo que foi tatuado no seu espírito desde a infância. Veio com essa história de dar a outra face. Mentiu para si mesma. Disse que perdoava.  Fraqueza? Covardia de assumir o ódio? Miséria?

Então lambeu os dentes, certa madrugada. E  resolveu por fim odiar aquele homem. E no ódio encontrou certa felicidade. Ao ponto de quase matá-lo sentiu prazer. Cumpriu por conta disso uma pequena sentença, sem arrependimento, pelo ferimento que causara nele. Jurou para si mesma que se o encontrasse de novo, frente a frente, mataria o desgraçado, não erraria os golpes; mataria com requintes de prazer em crueldade.

Certa vez, carregando no colo o filho João N, olhando para os anjos  de pedra da igreja em construção, cuspiu para o lado com os olhos brilhando de ódio de tudo aquilo.

“A única herança que o maldito me deixou foi a miséria”. homem em pura fraqueza de caráter; e a pouca força em ser homem que ele carregava. traidor traiçoeiro, pequeno. Um idiota com suas miseráveis vinganças, com sua moral  apodrecida revestida por um linho presunçoso. Ele e sua falsa fé, com seus surtos de bondade religiosa. Uma fé usada como um pingente vaidoso. Uma fé que é sempre  mais vaidade que verdade. Uma fé doente, num deus morto; um escudo para fracos e escravos que se contentam com esmolas pegajosas e prazeres que vêm de um lugar mais escuro que o breu. Ah aquele homem! Puto! A criatura mais odiosamente detestada, detestada com paixão. Aquele homem que um dia ela amou e escolheu para ser seu amigo; seu fiel cúmplice; o amor de sua vida; a ilusão degenerada por uma  realidade bem crua, bem cruel.

Ela sorriu. Gargalhou até, com o bilhete na mão. Olhou para o filho e ainda com o rosto exultante vociferou pausadamente:

“Que felicidade, meu pequeno. O verme que te cuspiu dentro de mim morreu. Entendeu? O teu pai morreu”

Os olhos do pequeno João N  se avermelharam. 
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