Dee se despiu e esticou suas roupas sobre o gramado, experimentando no vazio o vento, o calor...
Pessoas passavam por ali e no entanto nem davam com seu corpo, nessa cidade o corpo é de uma naturalidade indizível, quase impraticável. O vento que vinha do mar, salgado e quente, a tudo secaria, planejava Dee, tudo em pouco tempo, pouco menos que hora e meia. Então sorriu depois de entender isso e se deitou como sabendo que se deitava na superfície de seu planeta. Poderia dormir um pouco, esperar.
Pessoas passavam por ali e no entanto nem davam com seu corpo, nessa cidade o corpo é de uma naturalidade indizível, quase impraticável. O vento que vinha do mar, salgado e quente, a tudo secaria, planejava Dee, tudo em pouco tempo, pouco menos que hora e meia. Então sorriu depois de entender isso e se deitou como sabendo que se deitava na superfície de seu planeta. Poderia dormir um pouco, esperar.
Demônios tranqüilos poderiam pousar por ali, brancos angelinos, nada assustariam. Seria talvez o lugar mais tranqüilo de Antrofazia, e ainda assim se não o fosse não importaria. Era o parque dos madrugantes, arborizado com salgueiros que se desenhavam como nuvens tão pouco estáticas sobre o gramado oliva, salgueiros em ramagens que mutavam lentamente com o vento, lentamente, com o passar dos dias, lentamente no crescer dos galhos, no prosperar dos brotos.
Um casal sentou-se sobre uma pedra próxima e grande como um leito. Dee encolheu-se, mas os dois nem sequer lhe lançaram algum olhar. Ficaram a se encarar como se buscassem meios mais convincentes de comprovar que estavam ali mesmo, em dois, um diante do outro, apaixonados, em romance medieval e impossível. A moça se pôs a chorar. O rapaz enxugava-lhe as lágrimas. Umtípico casal madrugante.
Ao longe, a grande casa de janela única, abrigando quem sabe um coração solitário, de um homem que nunca se libertaria do olhar através da janela, desenhava o fim do horizonte. Lá, em tal casa, havia esse homem misterioso que ganhara a fama de louco, por ter sido encontrado entre lobos. Ele estava de pé, seu corpo era minúsculo envolvido pelos caixilhos da janela de inúmeras folhas e vidroscoloridos.
Dee esperava suas roupas secarem. Sentia-se invadida e fragilizada pela melancolia. Largara pelos caminhos a guitarra. Deixara de lado tantos sonhos juvenis, como se aos poucos a realidade se tivesse encarregado de desnudá-la, revelando sua pouca competência em dizer coisas ao mundo através dos esqueletos de suas melodias. Já fazia muito tempo que planejara melindrar o mundo com seus cantos, já fazia muito tempo que abandonara sem vida o Maverick empoeirado. Dee já nem era mais Dee.
De tão pouco que era, Dee já nem mais falava.
...
Ele, da sua imensa janela também observa a mulher nua deitada sobre o gramado do parque dos madrugantes, e julgou consigo mesmo que aquilo sim era a felicidade.
Quanto ao casal, tinha ele somente a certeza de que se tratava de um par de jovens dispostos a morrer um pouco, a se matar aos poucos, chamando essa lenta morte de amor.
Quando a noite se fez madrugada, Estácio surgiu diante de Dee com cobertores e comida. Ela, como um felino assustado, manteve-se fechada e arisca, não respondendo ao que o velho dizia, rugindo como se quisesse enxotá-lo. Ele aproximou-se do casal, estavam deitados um sobre o outro, seus corpos estavam frios.
Fico com essa necessidade de forjar uma melodia para que a cena crie os contornos que preciso, para segurá-la, para segurá-la firme antes de torná-la palavras. Por muito tempo, eu me deixava adoecer para que as sensações da paisagem e das criaturas fossem tão próximas de mim a ponto de serem reveladas dentro de uma verdade cósmica, pelos substantivos e predicações disponíveis em mim. Que bobagem... logo eu que nem sei o que digo. Posso imaginar que na manhã seguinte, homens em uniformes espantosos surgiriam para recolher os dois corpos sem vida dos dois jovens amantes. Mas o casal suicida só está na cena por estar na cena, assim como estão na cena também os salgueiros e o gramado.
Dee esperou que Estácio se afastasse e se serviu das uvas e dos pães que ele lhe trouxera, do mesmo modo que tem feito desde que ela ali chegou e encantou com sua liberdade o senhor da casa de janela única.
Como era farta a oferta, Dee fez gestos para o casal, a supor poder dividir com eles as uvas e os pães. Eles não se mexiam. O veneno lento se fez neles um senhor absoluto e os cativou. Morrer de amor... prática comum em Antrofazia, e por ser comum, admirada como bela, como criadora de jovens semideuses entre os tolos.
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