Quando Markova chegou, pude ouvir os ruídos de suas inúmeras
tentativas de abrir o portão. passou por mim resmungando alguma coisa sobre
chaves, cadeados travados e chuva. Eram sete e trinta. Achei que essa maluca
gorda não fosse aparecer por aqui hoje, pensei que o dia me deixaria em paz de
sono no qual eu pudesse não me importar em deixar o computador ligado a rolar
mil vezes a mesma coisa. O primeiro gesto de Markova após passar por
mim foi puxar o plug. Desligou tudo, arrastou a cortina e desligou o frio da
central de ar.
“Caralho”, resmunguei.
“Tá bom disso”, Markova e sua voz de quem fala dentro de um
barril. Sentou ao meu lado, senti o colchão afundar e as molas estalarem. “Quando
a gente enterra, acaba”.
Quando a gente enterra acaba?
E as sementes? “Quando a gente enterra acaba”... de onde essa
preta gorda tirou isso?
A menina tinha pendurado um artefato no lugar onde antes era um reino de uma lâmpada incandescente. Markova sorriu quando olhou pra coisa. Coisa de gente inocente. Acredita que ela ficou me dizendo que aquilo servia para fisgar sonhos bons? Acho que não tem funcionado bem. Talvez tenha um efeito estranho. talvez deva se chamar "apagador de sonhos". Desde quando ela pendurou essa coisa aí não tenho lembrado de nenhum sonho. Acordo como se a noite não tivesse passado. Noite sem passado... Se eu não tivesse que defecar agora, pegaria uma caneta e rabiscaria um poema com isso.
"Acho que você deveria começar a esconder essas coisas", apontava com os olhos para um jornal de cinco dias.
Não adianta... por mais que eu esconda... não adianta, as pessoas pelas ruas me reconhecem e ficam me olhando com cara de dó, como se eu fosse o desgraçado mais desafortunado da terra.
Ela encheu um copo com água fria que gotejou com bálsamo divino e empurrou para que eu bebesse.
É estranho um cara que não acredita em deus se pôr a beber bálsamo divino.
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